Consideremos o castigo, que tem de ser proporcional
à gravidade do seu pecado. S. João Crisóstomo tem por condenado o padre que no
tempo do seu sacerdócio comete um só pecado mortal: "Se pecardes como
particular, será menor o vosso castigo; se pecais no sacerdócio, estais
perdido".
São em verdade terríveis as ameaças, que o SENHOR
profere pela boca de Jeremias contra os padres que pecam: "Estão manchados
o profeta e o sacerdote, e Eu encontrei na minha casa a iniquidade deles, diz o
SENHOR. Por isso o seu caminho será como um atalho escorregadio e coberto de
trevas; hão de impeli-los, e cairão".
Que esperança de vida poderíeis dar a quem
caminhasse à borda dum precipício, em terreno escorregadio e às escuras, sem
ver onde punha os pés, e ao mesmo tempo impelido fortemente para o abismo por
seus inimigos? Tal é o estado desgraçado a que se encontra reduzido o padre que
comete um pecado mortal.
Lubricum in tenebris, – derrapando no
escuro. – Pecando, o padre perde a Luz e cai nas trevas. Mais lhes
valeria, assegura S. Pedro, não ter conhecido o caminho da justiça, do que
voltar atrás depois de o haver conhecido. Oh, sem dúvida, mais valeria a um padre
que peca ser antes um camponês ignorante, que nunca tivesse compreendido coisa
alguma; porque depois de tantos conhecimentos adquiridos, – por meio dos livros
que leu, pelos oradores sagrados que ouviu, pelos diretores que teve, – depois
de tantas luzes recebidas de Deus, o des-graçado calcar aos pés todas as
graças, pecando, e merecer que as luzes recebidas só sirvam para o tornar mais
cego e impenitente.
A maior ciência, diz S. Crisóstomo, dá lugar a mais
severo castigo; se o pastor cometer os mesmos pecados que as suas ovelhas, não
receberá o mesmo castigo, porém uma pena muito mais dura. Um padre cometerá o
mesmo pecado que os seculares, mas sofrerá um castigo muito maior, permanecerá
mais profundamente cego que todos os outros; será punido conforme o anúncio do
Profeta: Que vendo não o vejam, e ouvindo não compreendam!
É o que a experiência deixa ver, diz o autor da
Obra imperfeita: Um secular, depois de pecar, facilmente se arrepende. Se
assiste a uma Missa, se ouve um sermão enérgico sobre alguma verdade eterna, –
malícia do pecado, certeza da morte, rigor do juízo de Deus, penas do inferno,
– entra facilmente em si e volta-se para Deus; porque estas verdades, como
coisas novas, tocam-no e penetram-no de temor. Mas, quando um padre há calcado
aos pés a Graça de Deus, com todas as luzes e conhecimentos recebidos, que
impressão podem fazer ainda nele as verdades eternas e as ameaças das divinas
Escrituras? Tudo quanto encerra a Escritura, continua o mesmo autor, é para ele
uma coisa gasto de pouco valor; porque as coisas mais terríveis que lá se
encontram, por terem sido muito lidas, já não causam impressão. Donde conclui
que nada mais impossível que a emenda de quem sabe tudo e ainda assim peca sem
temor.
Quanto maior é a dignidade dos padres, diz S.
Jerônimo, tanto maior é a sua ruína, se num tal estado chegam a abandonar a
Deus. Quanto mais alto é o posto em que Deus os colocou, diz S. Bernardo, tanto
mais funesta será a sua queda. Quando se cai em plano, diz Sto Ambrósio, raro
se experimenta grande mal; mas cair de alto não é só cair, é precipitar-se, e a
queda será mortal.
Nós os padres regozijamo-nos, diz S. Jerônimo, por
nos vermos erguidos a tão alta dignidade; mas seja igual o nosso temor de cair.
Parece que é aos padres que Deus fala, quando diz pela boca de Ezequiel:
"Coloquei-vos sobre o monte santo de Deus… e vós pecastes; e eu vos
expulsei do monte de Deus, e vos entreguei à ruína". Vós que sois padres,
diz o SENHOR, eu vos estabeleci sobre a montanha santa, para serdes os faróis
do universo: Sois vós a luz do mundo. Uma cidade assente no cimo duma montanha
não pode estar escondida.
Tem pois razão S. Lourenço Justiniano em dizer que
quanto maior é graça concedida por Deus aos padres, tanto mais digno de castigo
é o seu pecado, e quanto mais alto o seu estado, mais mortal a sua queda. Quem
cai num rio, diz Pedro de Blois, mergulha tanto mais fundo, quanto de mais alto
tiver caído.
Compreende bem, ó padre: Deus, elevando-te ao
sacerdócio, ergueu-te até ao Céu, e fez de ti, não mais um homem da terra, mas
um homem celeste, pensa pois quanto te será funesta uma queda, segundo o aviso
de S. Pedro Crisólogo. A tua queda, diz S. Bernardo, será semelhante à do raio
que se precipita com impetuosidade. Quer dizer que a tua perda será
irreparável. Assim, ó des-graçado, cairá sobre ti a ameaça que o Senhor lançou
sobre Cafarnaum: E tu, ó Cafarnaum, erguida até ao Céu, serás abatida até ao
inferno.
Um padre que peca merece tal castigo, por causa da
sua ingratidão para com Deus, a quem deve um reconhecimento tanto maior quanto
recebeu dele os maiores benefícios, como nota S. Gregório. Merece o ingrato ser
privado de todos os bens que recebera, como observa um sábio autor. Jesus
Cristo disse: "Ao que já possui, dar-se-á, e ele estará na abundância; mas
o que nada possui, ver-se-á despojado até do que parecia ter". Quem é
grato para com Deus obterá maior abundância de graças; mas um padre que, depois
de tantas luzes, depois de tantas Comunhões, volta as costas a Deus, desprezando
todos os favores recebidos, renuncia à sua Graça, – este padre será com justiça
privado de tudo. É o SENHOR liberal com todas as suas criaturas, mas nunca com
os ingratos. A ingratidão, diz S. Bernardo, faz estancar a Fonte da Bondade
divina.
Por isso S. Jerônimo pôde dizer: "Nenhuma
besta há no mundo mais feroz que um mau padre, porque esse não se quer deixar
corrigir". E o autor da Obra imperfeita: Os leigos facilmente se emendam,
mas um mau eclesiástico é incorrigível. Segundo S. Damião, é de preferência aos
padres pecadores que se aplicam estas palavras do Apóstolo: "Porque os que
foram alumiados, os que saborearam o Dom celeste, e receberam o Espírito Santo…
depois caíram, é impossível que se renovem pela penitência".
Com efeito, quem mais que o padre recebeu de Deus
graças abundantes? Quem mais do que ele gozou dos favores do Céu e participou
dos Dons do Espírito Santo? Segundo Sto. Tomás, permaneceram obstinados no
pecado os anjos rebeldes, porque pecaram em face da luz; é assim, escreve S.
Bernardo, que o padre será tratado por Deus: tornado anjo do Senhor, ou há de
ser eleito como anjo, ou réprobo como o anjo. Eis o que o Senhor revelou a Sta.
Brígida: Olho os pagãos e os judeus, mas não vejo ninguém pior que os padres: o
seu pecado é como o que precipitou Lúcifer. E notemos aqui o que diz Inocêncio
III: "Muitas coisas que nos leigos são pecados veniais, nos eclesiásticos
são mortais".
É ainda aos padres que se aplicam estas palavras de
S. Paulo: "Uma terra, que, depois de muito regada pelas chuvas, só produz
espinhos e silvas, está reprovada e sujeita a maldição: acabará por ser
entregue ao fogo". (...) Que temor pode ter ainda do fogo do inferno um
padre, que voltou as costas a Deus? Os padres que pecam perdem a luz, como
levamos dito, e perdem também o temor de Deus. É o SENHOR quem no-lo
declara: "Se Eu sou o SENHOR, onde está o meu temor?", a vós,
ó padres, que desprezais o meu Nome? Segundo S. Bernardo, os
sacerdotes, caindo da altura a que se acham elevados, de tal modo se afundam na
malícia, que perdem a lembrança de Deus, e tornam-se surdos a todas as ameaças
da Justiça divina, a tal ponto que nem o perigo da sua condenação os espanta.
Mas que haverá nisso de admirável? O padre,
pecando, cai no fundo do abismo, onde fica privado da Luz e despreza tudo.
Acontece então o que diz o Sábio: "Caído no fundo do abismo do pecado, o
ímpio despreza". Este ímpio é o padre que peca por malícia; um só pecado
mortal o precipita no fundo das misérias, em que cegamente permanece mergulhado.
Nesse estado despreza tudo: castigos, advertências, presença de Jesus Cristo, a
quem toca no Altar. Não cora de se tornar pior que o traidor Judas, como o
próprio Senhor um dia disse a Sta. Brígida: "Tais padres já não são
sacerdotes meus, mas verdadeiros traidores". Sim, tais padres são
verdadeiros traidores, porque abusam da celebração da Missa, para ultrajarem
mais cruelmente a Jesus Cristo pelo sacrílego!
E qual será, depois de tudo, o triste fim do padre
mau? Ei-lo: Praticou a iniquidade na terra dos santos, não verá a Glória
do SENHOR. Será, numa palavra, o abandono de Deus, e depois o inferno. –
Mas, dirá alguém, essa linguagem é demasiado aterradora: quereis
lançar-nos da desesperação? – Respondo com Sto. Agostinho: Se vos espanto, “é
que eu próprio estou espantado”. – Assim, dirá um padre, que tiver tido a
desgraça de ofender a Deus no sacerdócio, não haverá para mim esperança de
perdão? – Oh, não posso afirmar isso; haverá esperanças, desde que haja
arrependimento do mal cometido. Que esse padre seja pois extremamente
reconhecido para com o Senhor, se ainda se vê ajudado da Graça; mas é preciso
que se apresse a dar-se a Deus, enquanto o chama, conforme o aviso de Sto.
Agostinho: “Abramos os ouvidos à Voz de Deus, enquanto nos chama, com receio de
que se recuse a ouvir-nos, quando estiver prestes a julgar-nos”.
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Fonte: 'A Selva', por Santo Afonso Maria de Ligório
Disponível em: O Fiel Católico
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