O bispo auxiliar de Brasília (DF) e secretário
geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em entrevista sobre
o Projeto de Emenda à Constituição nº 171/1993, afirmou que "a
diminuição da maioridade penal é desserviço". Para ele, os parlamentares
deveriam "sair em defesa da dignidade das crianças e adolescentes e
não descartá-las". Dom Leonardo ainda recorda a iniciativa da Conferência
na convocação do Ano da Paz. "Saiamos ao encontro das pessoas e estendamos
a mão, não as descartemos", disse.
Em maio de 2013, durante reunião do Conselho
Episcopal Pastoral (Consep), foi divulgada uma nota em que a CNBB reafirmou que
a redução da maioridade não é a solução para o fim da violência. "Ela é a
negação da Doutrina da Proteção Integral que fundamenta o tratamento jurídico
dispensado às crianças e adolescentes pelo Direito Brasileiro. A Igreja no
Brasil continua acreditando na capacidade de regeneração do adolescente quando
favorecido em seus direitos básicos e pelas oportunidades de formação integral
nos valores que dignificam o ser humano", dizia a nota.
Leia a
entrevista na íntegra:
Dom
Leonardo, como o senhor avalia a retomada da tramitação da PEC nº 171/1993, que
propõe a redução da Maioridade Penal de 18 para 16 anos?
Dom
LeonardoSteiner – “Deixai vir a mim as crianças”, disse Jesus. E poderíamos
acrescentar e não as afasteis. O problema é o ponto de partida, a visão de
pessoa, o que se deseja. Avalio que há uma série de equívocos associados à
questão da maioridade penal, como por exemplo, a tentativa de revogar o
Estatuto do Desarmamento, ampliando o número de armas que podem ser portadas e
reduzindo-se a idade para aquisição delas. Lamento profundamente que alguns parlamentares
da Câmara dos Deputados queiram sanar uma doença com o paciente na UTI,
aplicando uma dose que poderá leva-lo à morte, ao invés de criar as condições
para curá-lo. Afinal o que se pretende? Estimular a violência? A retomada da
tramitação da PEC nº 171/1993 e as várias proposições apensadas são iniciativas
que objetivam criminalizar o adolescente e submetê-lo a penalidades no âmbito
carcerário, maquiando a verdadeira causa do problema e desviando a atenção com
respostas simplistas, inconsequentes e desastrosas para a sociedade. A
delinquência de adolescentes é, antes de tudo, um grave aviso: o Estado, a
Sociedade e a Família não têm cumprido adequadamente seu dever de educar,
formar, integrar. Ao mesmo tempo não tem assegurado, com prioridade, os direitos
da criança e do adolescente, conforme estabelece o artigo 227 da Constituição
Federal.
Mas o
Estatuto da Criança e do Adolescente não deixa impune o adolescente que pratica
crimes?
Dom
LeonardoSteiner – O Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, ao
contrário do que se propaga injustamente, é exigente com o adolescente em
conflito com a lei, e não compactua com a impunidade. O ECA reconhece a
responsabilização do adolescente autor de ato infracional, mas acredita na
pessoa e tem como horizonte a pessoa humana inserida na vida comum. Assim,
propõe a aplicação de medidas socioeducativas que valorizam a pessoa do
adolescente e favorecem condições de autossuperação para sua retomada de vida
em sociedade. À sociedade cabe exigir do Estado não só a efetiva implementação
das medidas socioeducativas, mas também o investimento para uma educação de
qualidade, além de políticas públicas que eliminem as desigualdades sociais. É
dever de todos apoiar as famílias para que as crianças e adolescentes tem casa
material e a casa do amor. Junta-se a isto a necessidade de se combater
corajosamente a epidemia das drogas e da complexa estrutura criminosa que a
sustenta, causadora de inúmeras situações que levam os adolescentes à violência
e à morte.
A redução da
maioridade penal traz que consequências, na opinião do senhor?
Dom
LeonardoSteiner - Além de criminalizar o adolescente, deixando impunes os
verdadeiros donos das redes do tráfico de drogas e os agentes públicos
responsáveis por combatê-las, a redução da maioridade irá permitir que
abusadores de adolescentes que tenham idade a partir da fixada na Constituição
fiquem impunes, vez que os crimes dos quais eles são acusados, perderão o
objeto. A consequência de mudança na maioridade penal atinge todos os níveis da
convivência humana do adolescente. Disso não se fala, sobre isso não se
reflete. Outro efeito grave dessa medida é que desresponsabiliza os agentes
públicos dos poderes da República, inclusive do Congresso Nacional, de sua
missão institucional de garantir o acesso aos direitos básicos como educação de
qualidade, saúde pública, segurança, transporte público, acesso à cultura e ao
lazer, a prática esportiva saudável, ou seja, os direitos civis, políticos e
socais para melhoria da condição de vida de nossa população. Diante de tantas
denúncias e comprovações de corrupção, que modelos têm nossas crianças e
adolescentes e que ideia podem fazer sobre as pessoas que estão no exercício
dos poderes neste país?
O que CNBB
propõe?
Dom
Leonardo Steiner – O papa Francisco tem demonstrado, através
de suas palavras, gestos e documentos, que a Igreja não pode se calar diante
das injustiças, que poderão ainda mais agravar a situação ao invés de
superá-las. O Projeto que visa diminuir a maioridade penal é um Projeto de
morte contra crianças, adolescentes e jovens empobrecidos das periferias de
nossas grandes cidades. Os adolescentes, em sua grande maioria, foram
descartados, para usar uma expressão do Santo Padre, socialmente e, com a
diminuição da maioridade penal, serão descartados em sua totalidade. Não
desejamos o descarte, mas a inserção social. Há exemplos de recuperação dos
jovens quando se investe no cumprimento efetivo do Estatuto da Criança e
Adolescente. Não se pode condenar nossa juventude, sem antes dar oportunidades
de crescimento e vida plena. Tenho a esperança de que a Campanha da
Fraternidade deste ano de 2015, neste tempo da quaresma, possa fazer com que os
parlamentares que estão apoiando a redução da maioridade penal, revejam suas
posições, deixando-se interpelar pelo evangelho de Jesus que, neste tempo,
estamos refletindo: “Eu vim para servir” (Mc 10,45). A diminuição da maioridade
penal é desserviço! Os senhores parlamentares deveriam sair em defesa da
dignidade das crianças e adolescentes e não descartá-las. Durante sua visita ao
Brasil em 2013, o papa Francisco exortou todos os cristãos a não assumirem uma
posição pessimista diante das dificuldades presentes em nossa sociedade, nem
uma posição meramente reativa ou pior, de resistência e isolamento. Ele nos chamou
a unir forças com os homens e mulheres de boa vontade que desejam construir um
mundo melhor. Um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário e inclusivo. A
CNBB, sabedora das dificuldades, tensões e violência convocou o Ano da Paz.
Somos da Paz. Saiamos ao encontro das pessoas e estendamos a mão, não as
descartemos.
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CNBB
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