Em meio a prisões e protestos, bispo assume diocese no Chile |
Apesar dos
protestos que terminaram com três pessoas detidas e uma campanha pedindo que o
Vaticano reveja a decisão, um bispo chileno ligado ao padre abusador mais
notório do país tomou posse em sua nova diocese no sábado.
Esta nomeação do
Papa
Francisco levou muitos analistas a se perguntar quanto ao
compromisso do pontífice em abordar casos envolvendo abusos sexuais por parte
do clero e responsabilizar as autoridades religiosas que deixaram de agir
quando era devido.
Cerca de 4 mil
pessoas vestidas de preto em sinal de luto reuniram-se em frente da catedral da
Diocese de Osorno,
no Chile, para exigir que Dom Juan Barros Madrid, ex-capelão militar, não
tomasse posse.
Um vídeo do evento postado na internet mostra a multidão jogando objetos no
prelado, empurrando-o e tentando impedi-lo de entrar na Catedral de São Mateus,
apesar das fortes medidas de segurança.
“Nunca vi algo
assim”, disse ao Crux alguém que estava do lado de fora da Igreja. “Foi triste
ver a Igreja na qual eu rezo todo dia reduzida a um campo de batalha entre os
que apoiam o prelado e os que não apoiam”.
Pedindo para não
ser identificado porque tem relações com a diocese, a pessoa disse que,
enquanto Barros
estava celebrando a missa, muitos ficaram gritando: “Pedófilo!” e “Saia fora!”.
A situação chegou ao ponto em que a cerimônia precisou ser encurtada, pulando a
homilia, a Comunhão e outras partes da liturgia.
Barros
precisou ser escoltado para fora da Igreja depois da celebração.
Jornais locais
informaram que o chefe da polícia, Leonardo Castillo, disse a
jornalistas que, pelo menos, 3 pessoas foram detidas por conduta desordeira.
Desde que a
nomeação de Barros foi anunciada em janeiro deste ano ela vem sendo criticada
por elementos da comunidade local por causa dos laços que Barros tinha com o
Padre Fernando Karadima, sacerdote que o Vaticano condenou
em 2011 a uma vida de “solidão e oração” após ser declarado culpado de abusar
sexualmente de vários fiéis durante as décadas de 1980 1990.
Três das vítimas
de Karadima
(Juan Carlos Cruz, James Hamilton
e José
Andrés Murillo) acusaram quatro prelados chilenos, inclusive Barros, de
acobertar Karadima
e de estarem presentes enquanto este as abusava.
As vítimas estão
travando uma batalha jurídica contra a diocese de Santiago de Chile,
exigindo, entre outras coisas, um pedido de desculpas por parte da Igreja e uma
indenização financeira de 700 mil dólares.
As vítimas
recentemente divulgaram uma nota dizendo que “como sobreviventes dos abusos
cometidos por Karadima e pela cumplicidade de Dom Juan Barros Madrid,
já estamos acostumados com o tratamento que temos recebido da hierarquia
chilena”.
Juan Carlos Cruz,
um dos sobreviventes, disse por email ao Crux que “este homem [Barros] viu os
nossos abusos. Ele estava lá, testemunhamos isto, e fomos ignorados muitas
vezes. Hoje sabemos que ele foi um homem desastroso”.
A cerimônia de
sábado contou com a presença de uma dúzia dos mais de 50 bispos do país e quase
20 dos 35 padres da diocese.
O Cardeal Ricardo Ezzati,
arcebispo de Santiago de Chile e presidente da Conferência dos Bispos do Chile,
não esteve presente por causa de um compromisso anterior.
Em entrevista ao
jornal Las Últimas Noticias, na sexta-feira, Barros – que negou todas as
acusações através de uma carta pública no começo desta semana – disse que tinha
“um forte sentimento de esperança, esperança pelo futuro”.
“Acredito que,
no fim, o fato de que todos somos membros da Igreja irá prevalecer, e que todos
iremos seguir as palavras do Santo Padre”, declarou Barros.
Nenhum procedimento
criminal ou canônico foi iniciado contra o prelado. Até o momento, o Vaticano
não fez nenhum pronunciamento em resposta às críticas recebidas após a
nomeação.
A Organização de Leigos e
Leigas de Osorno está pedindo que o novo bispo se afaste do
cargo.
Juan Carlos Claret Pool, líder do movimento, contou ao Crux que bispos devem ter uma autoridade moral sobre o clero, os leigos e sobre a sociedade civil, “coisa que Barros não tem”. Por isso, disse, ele e outros planejam continuar trabalhando e “mobilizados”.
“Nenhum bispo será imposto a quem não o aceitar”
(Papa Celestino I).
No dia 18 de março de 2015, em resposta “às
diversas manifestações que cercaram a nomeação de dom Juan Barros Madrid como
bispo diocesano de Osorno”, o Comitê Permanente da Conferência dos Bispos do
Chile emitiu uma declaração pública expressa a adesão ao Papa Francisco e faz
constar que a responsabilidade nesta nomeação é pontifícia. Também manifesta
proximidade com a Igreja de Osorno unida ao pastor imposto. Finalmente,
compromete-se pela oração para que os fiéis e o bispo “caminhem em fidelidade
ao mandato do Senhor”.
Chama a atenção que o Comitê Permanente se veja na
obrigação de ter que declarar o que é óbvio canonicamente, no sentido de
manifestar sua adesão ao Papa Francisco. A nomeação do novo bispo de Osorno
agitou a vida da Igreja, mas nada faz presumir que isso vá prejudicar os
vínculos hierárquicos com o papa.
A declaração episcopal deposita no Papa Francisco a
responsabilidade pela nomeação de dom Barros como bispo de Osorno. Isso pode
ser interpretado como uma evasão da responsabilidade que cabe ao episcopado chileno na tarefa de aconselhar o papa na nomeação
de bispos. Essa responsabilidade não pode ser recusada sem afetar o
princípio da lealdade que sempre deve reger a relação com os superiores
hierárquicos, com maior razão quando o episcopado chileno tem maior informação
que o papa em relação à trajetória do bispo proposto e nomeado para Osorno.
A declaração omite qualquer referência à pessoa do núncio apostólico, dom Ivo Scapolo, que
tem a grave responsabilidade de
apresentar a proposta de nomeação à Congregação para os Bispos em Roma,
cujo prefeito é o cardeal Marc Ouellet. Esta omissão é indevida, porque
responsabiliza o papa por uma nomeação, cujo processo é confiado primeiramente
a um conjunto de bispos e cardeais que, ao não assumir responsabilidade alguma,
acaba comprometendo a imagem do papa diante dos fiéis católicos e diante da
opinião pública chilena pela decisão a que foi induzido.
Na hora de informar devidamente, o Povo de Deus e a
opinião pública chilena têm o direito de conhecer a sigilosa ação do cardeal
Francisco Javier Errázuriz Ossa neste chato processo.
A manifestação de proximidade do Comitê Permanente
à Igreja de Osorno não pode ser condicionada à comunhão com um bispo imposto,
especialmente porque esta comunidade expressou legitimamente, e em comunhão com
a Igreja, sua recusa justificada de acolher a dom Juan Barros como pastor por
não ser “irrepreensível”.
A fidelidade ao mandato do Senhor, de manifestar
unidade na Igreja, constrói-se com ações e gestos cotidianos de respeito, de
consideração, de coerência, de participação real e de transparência, que
manifestem um empenho sério para colaborar nesse desejo que expressamos na
liturgia eucarística, quando clamamos a Deus, através das palavras do
presbítero, dizendo: “Que a tua Igreja, Senhor, seja um recinto para valer e de
amor, de liberdade, de justiça e de paz, para que todos encontrem nela um
motivo para seguir esperando” (Oração Eucarística V/b do Missal Romano). Hoje,
mais do que nunca necessitamos dar um testemunho público de verdade, de amor,
de liberdade, de justiça e de paz, para que todos encontrem em nossa Igreja
chilena um motivo para continuar alimentando a esperança.
Compreendemos que o papa foi aconselhado
indevidamente e que o mesmo não pode revogar, sem comprometer a sua autoridade,
o que previamente foi instruído como um “ato pontifício”. Por isso, o Comitê
Permanente e os bispos chilenos têm a obrigação moral de persuadir o seu irmão
no episcopado, dom Juan Barros Madrid, para que desista de aceitar a grande
confiança que o Papa Francisco depositou nele, reparando assim o grave dano
provocado à Igreja e à pessoa do papa.
O bispo Barros também deve aquilatar em sua
consciência de cristão o grande exemplo do Papa Bento XVI, que, procurando
acima de tudo o bem superior da Igreja e por razões diferentes, apresentou sua
renúncia à grave responsabilidade de guiar a Igreja católica como pontífice.
Confira abaixo a carta de dom Juan Barros dirigida a todos os fiéis da diocese de Osorno:
Carta aos sacerdotes, diáconos, religiosos,
religiosas
e fiéis da diocese de Osorno
Saúdo-vos cordialmente, queridos irmãos e irmãs no
Senhor Jesus.
Por algumas semanas em janeiro e fevereiro do ano
passado eu estive longe vivendo o mês de Exercícios Espirituais de Santo Inácio
de Loyola, organizado por uma comunidade dos jesuítas. Eu agradeço muito a Deus
por esta experiência espiritual muito profunda e refrescante.
Em Roma, a fim de fevereiro, tive a alegria de
conversar pessoalmente com o Santo Padre Francisco, que me encorajou a assumir
esta nova missão pastoral com humildade e generosidade, servindo em nome de
Jesus Cristo para o povo de Deus em Osorno, especialmente os mais pobres.
Desde então lançaram uma série de opiniões em
relação a mim. Eu nunca tive conhecimento de qualquer reclamação sobre o
sacerdote Karadima ser secretário do cardeal Juan Francisco Fresno, e nunca tive
conhecimento e nunca imaginei que este padre havia cometido graves abusos com
suas vítimas. Eu não aprovo e nem tenho participação alguma nestes
acontecimentos gravemente desonestos. Houve uma investigação aprofundada por
parte das autoridades civis e eclesiásticas competentes para discernir as
responsabilidades e penalidades. Com a graça de Deus, eu tenho mais de 30 anos de
padre e bispo, e muitas pessoas têm me conhecido em várias
paróquias e dioceses com um ministério feliz.
Estou profundamente triste pela dor profunda que
ainda estão afetando vítimas durante muitos anos. E repito, juntamente com toda
a Igreja, não há lugar no sacerdócio para aqueles que cometem estes abusos, e
que a prevenção e promoção de bom tratamento deve ser a pedra angular da nossa
caminhada eclesial. Lembro-me que eu totalmente colaborei com a Congregação
para a Doutrina da Fé sobre o sacerdote Karadima. Como muitos jovens e
famílias, eu vim para participar do Sagrado Coração, em belos momentos de
espiritualidade e de apostolado, mas acabei decepcionado com este sacerdote e condeno
absolutamente os crimes que ele cometeu. O dano causado é enorme.
Em diferentes ocasiões, em público e em privado, eu
tenho sido exposto. Mas tão limitado como qualquer um que eu sou, se eu não o ouvi,
eu não poderia expressar a minha posição sobre estes fatos muito dolorosos e
complexos, humildemente peço que me perdoem.
Lamento profundamente a confusão produzida por
membros do Povo de Deus e para o público. Junto com irmãos bispos e minha família
temos sofrido com a Igreja, pedindo a Deus que nos ajude a ter clareza e paz.
Eu compreendo aqueles que se sentiram tristes e desconfortáveis, mas espero
encontrar e trabalhar em conjunto para que a comunidade de Osorno e todos nós
cresçamos com a unidade, serenos em nossa tão alegre evangelização.
Peço humildemente que rezem muito por mim. Agradeço
a todos que me fortaleceram especialmente nestes dias dolorosos com suas
orações e manifestações de solidariedade. Nas palavras de Paulo eu convido vocês
para confirmar a nossa esperança: "o Espírito nos ajuda em nossa fraqueza...
nós sabemos que em todas as coisas Deus trabalha para o bem daqueles que o amam...
Quem nos separará do amor de Cristo?" (Rm 8).
Eu quero ser um bom pastor e em espírito de
obediência aceitar esta nova missão para o Papa Francisco, a quem agradeço
muito por sua confiança e apoio. Desejo integrar e caminhar juntos como
peregrino da Igreja em Osorno, com vocês, suas famílias e muitos leigos
exemplares em sua vida cristã. Eu quero fazer com vocês a vida expressa em meu
lema episcopal: "Tua vontade".
Que a Virgem Maria, nossa Mãe nos proteja e guie a
todos nós, juntamente com São Mateus, patrono da Diocese e com a ajuda do Servo
de Deus D. Francisco Valdés Subercaseaux.
Abençoo-vos com carinho,
+ Juan Barros Madrid
Eleito bispo de Osorno
Fontes: Crux; Reflexión
y Liberación
Tradução: Isaque Gomes Correa, André
Langer e Google (com algumas correções).
Disponível em: Instituto Humanitas Unisinos
Com informações: Conferência Episcopal do Chile
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