segunda-feira, 9 de março de 2015

Igreja e sociedade atual segundo Dom Damasceno


Na segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015, às 10:30, estivemos, com Flávia Camargo, na residência do Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Presidente também do Sínodo dos Bispos, a realizar-se em outubro deste ano, no Vaticano. Dois temas foram objeto de atenção especial na audiência: 1º) a Reforma Política e 2º) o Sínodo dos Bispos. Inicialmente, queríamos já gravar a conversa, mas Dom Damasceno preferiu primeiro que apresentássemos os nossos questionamentos e discorrêssemos sobre o assunto, ao qual ele faria suas colocações, para, em seguida, fazer uma súmula do que havia sido conversado, em forma de uma breve entrevista. Foi o que ocorreu. Ficamos por quase duas horas tratando dos temas acima mencionados, e somente, ao final, em quase trinta minutos, ele expôs sua posição sobre os temas, em entrevista gravada. Ainda, foi possível acrescentar na entrevista rapidamente o tema da reforma da cúria romana e o aceno que se faz na Evangelium Gaudium de autonomia às conferências episcopais.

Dom Raimundo
Damasceno
Sobre a questão da reforma política, a pergunta que se faz é: "qual reforma política"? Pois há muitos projetos em tramitação no Congresso Nacional. Por que justamente o que favorece o PT é apoiado pela CNBB? Apresentamos a Dom Damasceno os questionamentos e apreensões em relação ao projeto de Reforma Política, de caráter bolivariana, encabeçada pela CNBB e OAB, com mais de 100 entidades de alinhamento ideológico à esquerda, reforma esta que apoia, por exemplo, o financiamento público exclusivo de campanha, proposta esta que favorece especialmente o projeto político do PT, cujo projeto ainda mais por iniciativa popular, pode repetir aqui o que já está acontecendo na Venezuela, conforme as diretrizes do Foro de São Paulo, visando com o fortalecimento do PT, viabilizar a Pátria Grande socialista.

Dom Damasceno nos explicou que sabia ser muito difícil mesmo obter consenso em torno de uma proposta de reforma política, mas que, diante da corrupção e de tantas distorções existentes no atual sistema eleitoral, a reforma política se faz necessária. Disse ainda que quando decidiram apoiar a proposta da Coalizão, ele teve o cuidado de chamar um de seus assessores e pediu para que ele estudasse com acuidade toda a proposta para ver se havia nela algum petismo. Ao que, depois de feita a análise, o assessor lhe assegurou de que não havia nada de petismo na referida proposta de reforma política. Disse ainda que havia pensado muito no nome de um “católico exemplar” para que apresentasse ao Conselho Permanente da CNBB um posicionamento sobre a referida reforma política, e depois de muito pensar em alguém que não estivesse ligado ao PT, chegou enfim ao nome do embaixador Rubens Ricúpero, segundo ele, um católico confiável, beneditino, inclusive maritainista.

Em suma, dos questionamentos feitos, é preocupante o fato de que a CNBB não apenas apoie, mas encabeçe esse perigosíssimo projeto de "reforma política"; estão comprando gato por lebre, seduzidos pelo discurso demagógico de "eleições limpas", enredados pela astúcia do PT, que quer o financiamento público, com o dinheiro do contribuinte e, assim, engessar o sistema eleitoral brasileiro, para se perpetuar no poder e tudo isso com as bençãos da CNBB.

Sobre o Sínodo dos Bispos, Dom Damasceno corroborou a tese de que é preciso haver misericórdia para com aqueles que vivem situações difíceis, e que é possível uma pastoral mais acolhedora em casos bem específicos. E ainda em relação à reforma da cúria, já na entrevista gravada, afirmou ser favorável à uma maior autonomia das conferências episcopais, também em casos e situações específicas. Ao final, perguntamos a ele se seria possível encaminhar um pedido de audiência com Bento XVI, que vive no Matter Ecclesia, ao que ele respondeu: "Ele está muito fragilizado e doente. Estando em Roma, conseguimos mais facilmente uma audiência com Francisco". 

Para acessar a gravação da entrevista cliqueaqui

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Flávia Camargo – Nós estamos aqui com Dom Damasceno, Arcebispo de Aparecida e também Presidente da CNBB. Desde já agradecemos por nos conceder esta breve entrevista, e queremos iniciar conversando sobre a reforma política. Nós sabemos que a CNBB está liderando um grande movimento no Brasil para que nós possamos apressar essa reforma política que vem por aí, mas também existe  dentro da nossa Igreja vários questionamentos sobre o porquê a CNBB resolveu liderar esse movimento. Nós gostaríamos de ouvir o senhor a respeito. 

Dom Raymundo Damasceno Assis – Com muito prazer...

Hermes Rodrigues Nery – Gostaria de só acrescentar que esses questionamentos feitos são no sentido de aprofundar a reflexão nessa questão. Há apreensões de que esse projeto de reforma política possa favorecer o Partido dos Trabalhadores e outros partidos, com alinhamento ideológico de esquerda mais definido, de bolivarianismo no País, em curso. Então, todos esses questionamentos merecem uma resposta, e a gente está aqui no sentido de preservar a instituição, de que esta reforma não possa conduzir para realidades que conflitam com a doutrina social da Igreja. Então é um pouco sobre isso que gostaríamos de ouvir a sua posição a respeito. 

Dom Raymundo Damasceno Assis –  Com muito prazer. A CNBB está sempre atenta aos anseios e aos desejos, às preocupações da sociedade, e percebeu, claro, um desejo geral da sociedade brasileira de uma reforma política. Por isso, a CNBB começou a trabalhar sobre esse tema, e muitas  outras entidades procuraram a CNBB, ao saber dessa preocupação para, também, apresentar propostas para essa reforma. Cada entidade tem as suas preferências, as suas propostas, e a CNBB num diálogo com essas entidades (Ver link) chegou a um determinado consenso sobre alguns pontos, que devem de, certo modo, caracterizar a reforma política que setores da sociedade  desejam, para que o nosso sistema político funcione,da melhor maneira possível, em favor do bem comum do nosso povo. 

Chegamos a um consenso sobre alguns pontos e a partir daí a CNBB tomou a iniciativa de lançar nacionalmente esse projeto de iniciativa popular pela reforma política democrática, coletando assinaturas daqueles que desejassem apoiar o projeto. Esperamos alcançar o número previsto, que é cerca de um milhão e quinhentas mil assinaturas, para levar, então, ao Congresso Nacional esta proposta, apoiada pela CNBB e por um grande número de entidades da sociedade civil organizada. Nós sabemos que existem muitos outros projetos de reforma política tramitando no Congresso Nacional. 

É muito importante lembrar que a Igreja não se identifica com os políticos, nem com interesses de partidos políticos. A Igreja tem, nesse setor em relação à política, uma missão muito própria, muito específica, que é,  sobretudo, ensinar  critérios e valores para as decisões de cada cristão, na sua vida pública, na sua vida social. A Igreja tem a preocupação de formar as pessoas, as consciências, de modo que ela não se identifica com interesses de partidos políticos, nem com políticos. A sua preocupação é com o bem da sociedade, com o bem do Brasil. 

Nós sabemos que quem vai fazer a reforma política não é a CNBB, não é nenhuma dessas entidades. A reforma política cabe ao Congresso Nacional, casa do povo, onde esses projetos serão discutidos. Esperamos que chegue a bom termo o projeto que melhor contribuir para o bem do nosso País. 

O importante, nesse momento, é que quando começar realmente a discussão no Congresso Nacional sobre a reforma política, os leigos, a sociedade, em especial, os cristãos, os católicos, estejam atentos ao que está passando no Congresso Nacional, sobretudo, ao que diz respeito à reforma política, para que ela seja a melhor possível para o Brasil. Acho que nós necessitamos de normas e procedimentos, de regras, para as eleições. Nós necessitamos de campanhas mais baratas, menos custosas, que estão aí consumindo uma fortuna de dinheiro. Nós precisamos para aqueles que ocupam cargos públicos no Congresso, ou em outros postos no País, que tenham, de fato, uma representatividade e uma credibilidade por parte da população. Por isso, a campanha eleitoral  deve  permitir ao eleitor maior conhecimento dos candidatos e de suas propostas para poder voltar com toda liberdade, com toda responsabilidade naquele candidato, naquela candidata, que ele julga que vai contribuir para o bem e desenvolvimento do nosso País, com justiça social, com paz, com harmonia. Acho que isso é a grande preocupação da CNBB, ao incentivar a reforma política, e até mesmo, de certo modo, protagonizar um pouco essa reforma, junto com uma série de entidades da sociedade civil. Esse é o objetivo da CNBB. Portanto, não há nenhum interesse partidário, não há nenhum compromisso com nenhum partido. A CNBB quer o bem do Brasile deseja que o Congresso acolha e  discuta essas propostas, com muita seriedade, com muita responsabilidade, pensando não em interesses pessoais, ou dos grupos, mas no bem do nosso País. 

Concluída essa resposta de Dom Damasceno, fizemos o seguinte comentário, antes de passar para a segunda questão da entrevista, sobre o Sínodo dos Bispos:

Hermes Rodrigues Nery – Nós, então, deixamos aqui com Dom Damasceno, um documento (Lero documento), aonde estão elencados uma série de questionamentos, e que Dom Damasceno, anteriormente nós conversamos sobre esse tema, deixamos aqui para sua apreciação e a agradecemos desde já pela atenção, e pedimos depois que faça uma análise mais apurada sobre essas questões todas para que possamos, quando possível, também, fazer caminhar o processo, mais no sentido de que a instituição não abrace uma proposta que possa repetir, por exemplo, o que já aconteceu na Venezuela (Ver artigo) e em outros países, nesse sentido. É mais nesse sentido que nós trazemos a contribuição para a reflexão. 

Em seguida, partimos para o segundo tema da entrevista:

Hermes Rodrigues Nery – Sobre a questão do Sínodo, também conversamos anteriormente, nós percebemos que está havendo por parte de muitos católicos, recebemos muitas mensagens, eles estão preocupados com o rumo do Sínodo, com a conclusão do Sínodo e gostaríamos de saber sua opinião, sua posição sobre a questão da doutrina e da pastoral, quer dizer, na verdade, parece que há uma mudança de tom na abordagem, de como a Igreja vem tratando essas realidades, e há uma certa angústia de alguns, de muitos até, de que não haja uma convergência entre doutrina e pastoral, no campo da moral familiar. Como o senhor vê isso?

Dom Raymundo Damasceno Assis – Bom, nós estamos num processo sinodal, que é muito importante, num processo que começou no ano passado, e terminou com a primeira etapa deste sínodo sobre a família que produziu um documento, aprovado pela assembleia sinodal, e depois convalidado pelo papa Francisco. Este documento está sendo, agora, objeto de estudo, em todas as dioceses, em todas as paróquias e demais instituições da Igreja. É muito importante que, nesse momento, o povo de Deus participe no estudo desse documento, aprovado na última assembleia do Sínodo. Não é ainda um documento conclusivo, mas que refletiu as contribuições das dioceses, para esta primeira etapa do Sínodo, que terminou no ano passado, no mês de outubro. Este documento conclusivo da primeira etapa está na internet e pode ser acessado por qualquer pessoa (está em português), e já foi encaminhado pela CNBB a todas as dioceses, com a recomendação de que criassem condições para que a maior parte do povo de Deus, em cada diocese, participasse no estudo do documento e nas respostas, que vieram já acompanhando o documento. São 46 perguntas que devem ser respondidas como contribuição para  esta segunda etapa do Sínodo, que vai acontecer no próximo mês de outubro e que será a fase conclusiva. Certamente haverá uma Exortação Pós-sinodal, que cabe ao Santo Padre publicar ou não. Só,  então,  teremos orientações pastorais para as pastorais familiares. Teremos, quem sabe, alguma decisão especial, ou alguma orientação especial para as  situações de casos especiais, como é o caso dos casais em segunda união. Fica o apelo a todas as comunidades para que participem da preparação deste Sínodo,  e respondam as perguntas que foram enviadas com o documento, para esta fase final do Sínodo sobre a família.

É muito importante lembrar de que não se está discutindo no Sínodo a doutrina e a moral sobre o   matrimônio, a  família. A doutrina, realmente, não muda. Por  exemplo, a indissolubilidade do matrimônio, não é objeto de discussão.  O que se discute é justamente como a Igreja deve proclamar, hoje, a beleza do matrimônio e como viver esta vocação que é caminho para a santidade e como aproximar-se desses casais que vivem numa situação difícil, especial, muitas vezes dolorosa, que são os casais em uma segunda união. Não foram felizes, fracassaram em sua primeira união, e, por uma razão ou por outra,  contraíram uma segunda união, e que hoje vivem de uma maneira responsável, estável em sua união, e muitos já por vários anos, inclusive, com filhos educados na fé cristã, casais que querem viver honestamente, querem viver em comunhão com a Igreja, participam de suas comunidades, mas não podem acessar ao sacramento da penitência, nem aproximar-se do  sacramento da comunhão.  
     
Então, o que fazer? Como a Igreja deve aproximar-se desses casais? Há alguma solução? Há algum caminho? Sem quebrar, sem violar a indissolubilidade do matrimônio?É claro que isso tem que estar muito claro para nós. Nós sabemos que há experiência nesse campo nas igrejas orientais. E esta questão já foi levantada no Sínodo sobre a Família, em 1984. Mas a questão não foi aprofundada. Agora está voltando ao Sínodo, e o Sínodo quer dar uma resposta. É claro que não será uma resposta genérica para todos os casais que vivem essa situação. Primeiro, porque muitos nem procuram a Igreja para isso, ou não tem nenhuma prática religiosa. Para aqueles que não encontraram uma solução através do Tribunal Eclesiástico, por uma razão ou por outra, e às vezes não conseguiram provar  a nulidade do seu matrimônio, esses que vivem nessa situação angustiados, o que a Igreja pode fazer por eles?  

Há  propostas a partir de experiências, por exemplo, das igrejas orientais,  isto é, seguir um caminho de conversão, um caminho penitencial. Esses casais, em casos especiais,  dentro de determinadas condições, poderiam ser acompanhados, durante um longo período, que nós chamaríamos de caminho penitencial, caminho de conversão, e depois, no final, quem sabe, caberia ao bispo tomar uma decisão em relação ao acesso ou não ao sacramento da confissão e da eucaristia. Mas temos que aguardar as orientações do Sínodo. A primeira etapa não foi conclusiva, a segunda etapa é que será conclusiva. O Santo Padre, é claro, deverá divulgar,  após o Sínodo das Famílias, como é normal em todos os sínodos, uma Exortação chamada Pós-sinodal, que irá nos dar a palavra final.  

Hermes Rodrigues Nery – Só para finalizar, temos muitas “falsas soluções “diante destes desafios tão complexos, e ao longo da História da Igreja, quando a Igreja sempre foi vigorosa na defesa da Sã Doutrina encontrou respostas concretas também de adesão, agora na  sua opinião, por exemplo, só para fechar esta reflexão, diante deste desafio, como o sr, vê mais, aonde está a problemática da mudança de tom, da mudança de abordagem, não pode debilitar um pouco a Doutrina? Que soluções o sr. encontra na sua experiência? Para onde o sr. vislumbra o desaguar?

Flávia Camargo – Só também complementando, a questão da preparação para o casamento, a gente sente, especialmente na fase de namoro dos nossos jovens, a gente sente a Igreja um pouco silenciosa a respeito das questões de castidade, de namoro cristão, para que a gente evitasse casamentos como nós vemos hoje que logo são desfeitos. O que está se pensando a respeito disso também?

Dom Raymundo Damasceno Assis – Uma grande preocupação do Sínodo foi a questão da preparação para o matrimônio. Uma preparação que deve começar no seio da família, pelos pais em relação aos seus filhos que tem que ajudá-los a encontrar o seu caminho na vida: a sua profissão, a sua vocação, com toda liberdade, com toda responsabilidade, tendo em conta  as imperfeições, as qualidades, os talentos dos seus filhos e lembrando que a vocação matrimonial é a mais comum na sociedade. E que o matrimônio é vocação! Não é, portanto uma loteria, não é uma experiência que se faz provisoriamente para ver se vai dar certo. Não! Os que vão se casar, devem ter consciência de que eles estão optando por uma vocação, uma vocação que é   resultado do chamado de Deus para eles. De se santificarem no amor, no amor mútuo, de esposos e esposas, e neste amor que transborda para os filhos. O casamento é uma comunidade de amor e de vida, como diz o Vaticano II, e o casal pode se santificar e deve se santificar na vida matrimonial. Neste amor mútuo, neste amor de doação, lembrando de que eles recebem o sacramento do matrimônio, que é sinal desta doação de Deus para com a comunidade e dessa doação do Cristo para com sua Igreja. Então o casal é chamado a viver esta entrega mútua, um ao outro, durante toda a sua vida, superando as dificuldades e para isso eles recebem o sacramento que lhes dão um aumento da graça santificante, isto é,  graça  da comunhão com Deus e uma graça  muito específica, própria do matrimônio, que ajuda a vencer o seu egoísmo, o grande inimigo do amor, este grande obstáculo da vida a dois no matrimônio e as graças necessárias para cumprirem seus deveres matrimoniais, de pai e de mãe, na educação dos seus filhos. De modo que a preparação é fundamental.

Agora, nós estamos diante de uma situação, que não podemos ignorá-la,  situação que hoje se ampliou muito mais, do que em tempos atrás. Pessoas que hoje casam,  se separam e contraem uma segunda união, muitas vezes sem ter consciência claramente do que é o sacramento do matrimônio. Quantos jovens hoje, infelizmente, se casam em uma idade ainda muito nova, sem uma grande preparação, e muitas vezes nós nos questionamos: será que esse matrimônio foi feito com toda consciência? Será que esse casal teve consciência que estava administrando um sacramento, sinal do amor de Deus para com a humanidade, sinal do amor de Cristo para com a sua Igreja? E de que o estado matrimonial é uma vocação para a santidade de vida a dois, de vida com os seus filhos e que isso implica uma série de responsabilidades e que esse amor é uno, é perene, é permanente, e aberto à vida, pois uma das finalidades do matrimônio é a procriação, não é a única, mas é uma das finalidades do matrimônio. Então nós nos questionamos muitas vezes sobre esta situação, que os casais que contraíram uma segunda união estão vivendo. Alguns talvez de uma maneira muito indiferente, sem nenhuma preocupação com sua situação, sem nenhuma vinculação com suas comunidades eclesiais, sem nenhuma preocupação em viver sua responsabilidade nesta segunda união. Não estamos tratando destes casos, estamos tratando dos casos de pessoas que estão querendo viver em comunhão com a Igreja, casais responsáveis, que contraíram esta segunda união e estão vivendo esta segunda união por vários anos na fidelidade, na abertura à vida, no respeito um ao outro,  participando também da vida da comunidade, naquilo que lhes é permitido. Estamos tratando destes casais.

Que solução pastoral a Igreja pode encontrar para estas situações, sem ferir a questão da indissolubilidade do matrimônio, pois como Jesus afirma  no evangelho “o que Deus uniu o homem não separe”. Então é esta a preocupação, e a Igreja, espelhando-se em Nosso Senhor Jesus Cristo, quer encontrar uma solução de amor, de misericórdia, de ternura, de compaixão, de perdão para essas situações. Não tenho é,  claro, nenhuma solução pois não quero antecipar nada de pessoal, mas aguardar o aprofundamento destas questões no Sínodo,  em outubro e, sobretudo, aguardar a Exortação Apostólica Pós-sinodal que esperamos que o Santo Padre publique, e teremos, então,  a posição clara da Igreja sobre estas questões relativas ao matrimônio e à família.

Hermes Rodrigues Nery – Ainda nesta questão, neste traço clássico de Maria Madalena, quando Jesus diz “vai e não tornes a pecar”, isso é colocado também nesta dimensão, para encerrar esta questão, dentro desta reflexão, que leitura o sr faz, por exemplo, da Humanae Vitae, nesta realidade de hoje, por exemplo, neste contexto?

Dom Raymundo Damasceno Assis – A Humanae Vitae foi muito discutida, e, muitas vezes, não  muito aceita por falta de compreensão da posição do Papa Paulo VI.  O matrimônio é uma comunidade de amor e de vida. Portanto,  é amor, mas um amor não egoísta, não individualista, e sim um amor que pensa, também, no bem da sociedade. Por isso, a vida matrimonial deve estar aberta à vida, à procriação. A Igreja tem as suas normas com relação a esta questão do planejamento familiar.  Não falamos em controle de natalidade, e sim, em planejamento familiar, que respeita os métodos naturais, evitando qualquer método abortivo. A Igreja jamais poderá aceitar isso.

O casal para viver o  que a Igreja propõe, em relação ao planejamento familiar, precisa da oração, da educação, da auto-disciplina, do acordo dos dois, para que o matrimônio permaneça e não se dissolva, por dissenção, divergência, entre o próprio casal.  É um caminho, é um processo, a ser conquistado, a ser adquirido com a graça de Deus e com o esforço  próprio. Muitos casais manifestam a opinião de que realmente quando se observa este caminho dos métodos naturais, o casal se realiza mais, é mais feliz em sua vida matrimonial, inclusive, na sua relação sexual. A mulher não é só objeto de prazer, mas ela tem de ser respeitada, ela é parceira do homem, igual em dignidade, de modo que, no planejamento dos filhos devem levar em conta não só a geração,  mas também,  a possibilidade que tem o casal de educá-los e de formar os seus filhos para serem bons cristãos e bons cidadãos. Acho que é um conjunto  de fatores que devem levar o casal a tomar a sua decisão, mas não de uma maneira individualista e egoísta. 

Não é o caso do casal  que não quer ter filhos porque quer gozar a vida, acha o filho um problema, que ele  vai dificultar a vida deles, de ser felizes, de viajar. Então, este não é o critério que deve levar o casal a planejar os seus filhos, a sua família. O critério deve ser de mais generosidade, de amor, do bem da sociedade, do bem do próprio casal e dos próprios filhos.  São estes critérios que a Igreja dá para os casais. Nós sabemos que é difícil, mas com a graça de Deus, com a oração, com esforço, pode-se viver um casamento dentro daquilo que a Igreja orienta para um casal cristão.

Hermes Rodrigues Nery – O sr. como presidente da CNBB pode nos fazer somente mais uma colocação que é a seguinte: a Evangelii Gaudium que o sr. citou agora há pouco, traz uma questão, que é a discussão sobre a reforma da cúria romana, que traz em uma de suas partes o aceno à possibilidade de dar autoridade doutrinal para as conferências episcopais. Como o sr. vê este processo da reforma da cúria romana, como presidente de uma conferência episcopal?

Dom Raymundo Damasceno Assis – É uma questão que também não foi discutida, que está acenada na Evangelii Gaudium mas que não foi discutida, nem aprofundada. 

Hermes Rodrigues Nery – A partir da sua experiência, o que sr. tem a dizer sobre isso?


Dom Raymundo Damasceno Assis – Creio que muitas atribuições poderiam ser dadas às Conferências Episcopais, sem necessidade de  recorrer à Santa Sé, para tomar determinadas decisões de âmbito nacional. Situações que, realmente, não são de grande importância, que poderiam ser resolvidas  pelas Conferências Episcopais. Há muitas questões para as quais devemos recorrer à Santa Sé, e eu creio que muitas poderiam ser  atribuições próprias da Conferência porque é algo do conhecimento delas, da esfera delas e que não entram em questões doutrinárias propriamente. São questões muitas vezes administrativas, que poderiam ser resolvidas pelas Conferências Episcopais.
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ZENIT

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