Na
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015, às 10:30, estivemos, com Flávia
Camargo, na residência do Cardeal Dom Raymundo Damasceno Assis, Presidente da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e Presidente também do Sínodo dos
Bispos, a realizar-se em outubro deste ano, no Vaticano. Dois temas foram
objeto de atenção especial na audiência: 1º) a Reforma Política e 2º) o Sínodo
dos Bispos. Inicialmente, queríamos já gravar a conversa, mas Dom Damasceno
preferiu primeiro que apresentássemos os nossos questionamentos e
discorrêssemos sobre o assunto, ao qual ele faria suas colocações, para, em
seguida, fazer uma súmula do que havia sido conversado, em forma de uma breve
entrevista. Foi o que ocorreu. Ficamos por quase duas horas tratando dos temas
acima mencionados, e somente, ao final, em quase trinta minutos, ele expôs sua
posição sobre os temas, em entrevista gravada. Ainda, foi possível acrescentar
na entrevista rapidamente o tema da reforma da cúria romana e o aceno que se
faz na Evangelium Gaudium de autonomia às conferências
episcopais.
Dom Raimundo Damasceno |
Sobre a questão da reforma política, a pergunta que se faz é: "qual
reforma política"? Pois há muitos projetos em tramitação no Congresso
Nacional. Por que justamente o que favorece o PT é apoiado pela CNBB?
Apresentamos a Dom Damasceno os questionamentos e apreensões em relação ao
projeto de Reforma Política, de caráter bolivariana, encabeçada pela CNBB e
OAB, com mais de 100 entidades de alinhamento ideológico à esquerda, reforma
esta que apoia, por exemplo, o financiamento público exclusivo de campanha,
proposta esta que favorece especialmente o projeto político do PT, cujo projeto
ainda mais por iniciativa popular, pode repetir aqui o que já está acontecendo
na Venezuela, conforme as diretrizes do Foro de São Paulo, visando com o
fortalecimento do PT, viabilizar a Pátria Grande socialista.
Dom
Damasceno nos explicou que sabia ser muito difícil mesmo obter consenso em
torno de uma proposta de reforma política, mas que, diante da corrupção e de
tantas distorções existentes no atual sistema eleitoral, a reforma política se
faz necessária. Disse ainda que quando decidiram apoiar a proposta da Coalizão,
ele teve o cuidado de chamar um de seus assessores e pediu para que ele
estudasse com acuidade toda a proposta para ver se havia nela algum petismo. Ao
que, depois de feita a análise, o assessor lhe assegurou de que não havia nada
de petismo na referida proposta de reforma política. Disse ainda que havia
pensado muito no nome de um “católico exemplar” para que apresentasse ao
Conselho Permanente da CNBB um posicionamento sobre a referida reforma
política, e depois de muito pensar em alguém que não estivesse ligado ao PT,
chegou enfim ao nome do embaixador Rubens Ricúpero, segundo ele, um católico
confiável, beneditino, inclusive maritainista.
Em
suma, dos questionamentos feitos, é preocupante o fato de que a CNBB não
apenas apoie, mas encabeçe esse perigosíssimo projeto de "reforma
política"; estão comprando gato por lebre, seduzidos pelo discurso
demagógico de "eleições limpas", enredados pela astúcia do PT, que
quer o financiamento público, com o dinheiro do contribuinte e, assim, engessar
o sistema eleitoral brasileiro, para se perpetuar no poder e tudo isso com as
bençãos da CNBB.
Sobre o
Sínodo dos Bispos, Dom Damasceno corroborou a tese de que é preciso haver
misericórdia para com aqueles que vivem situações difíceis, e que é possível
uma pastoral mais acolhedora em casos bem específicos. E ainda em relação à
reforma da cúria, já na entrevista gravada, afirmou ser favorável à uma maior
autonomia das conferências episcopais, também em casos e situações específicas.
Ao final, perguntamos a ele se seria possível encaminhar um pedido de audiência
com Bento XVI, que vive no Matter Ecclesia, ao que ele respondeu: "Ele
está muito fragilizado e doente. Estando em Roma, conseguimos mais facilmente
uma audiência com Francisco".
Para acessar
a gravação da entrevista cliqueaqui
***
Flávia
Camargo – Nós estamos aqui com Dom Damasceno, Arcebispo de Aparecida
e também Presidente da CNBB. Desde já agradecemos por nos conceder esta breve
entrevista, e queremos iniciar conversando sobre a reforma política. Nós
sabemos que a CNBB está liderando um grande movimento no Brasil para que nós
possamos apressar essa reforma política que vem por aí, mas também existe
dentro da nossa Igreja vários questionamentos sobre o porquê a CNBB
resolveu liderar esse movimento. Nós gostaríamos de ouvir o senhor a respeito.
Dom
Raymundo Damasceno Assis – Com muito prazer...
Hermes
Rodrigues Nery – Gostaria de só acrescentar que esses questionamentos
feitos são no sentido de aprofundar a reflexão nessa questão. Há apreensões de
que esse projeto de reforma política possa favorecer o Partido dos
Trabalhadores e outros partidos, com alinhamento ideológico de esquerda mais
definido, de bolivarianismo no País, em curso. Então, todos esses
questionamentos merecem uma resposta, e a gente está aqui no sentido de
preservar a instituição, de que esta reforma não possa conduzir para realidades
que conflitam com a doutrina social da Igreja. Então é um pouco sobre isso que
gostaríamos de ouvir a sua posição a respeito.
Dom
Raymundo Damasceno Assis – Com muito prazer. A CNBB está sempre
atenta aos anseios e aos desejos, às preocupações da sociedade, e percebeu,
claro, um desejo geral da sociedade brasileira de uma reforma política.
Por isso, a CNBB começou a trabalhar sobre esse tema, e muitas outras
entidades procuraram a CNBB, ao saber dessa preocupação para, também,
apresentar propostas para essa reforma. Cada entidade tem as suas preferências,
as suas propostas, e a CNBB num diálogo com essas entidades (Ver link)
chegou a um determinado consenso sobre alguns pontos, que devem de, certo modo,
caracterizar a reforma política que setores da sociedade desejam, para
que o nosso sistema político funcione,da melhor maneira possível, em favor
do bem comum do nosso povo.
Chegamos a um
consenso sobre alguns pontos e a partir daí a CNBB tomou a iniciativa de lançar
nacionalmente esse projeto de iniciativa popular pela reforma política
democrática, coletando assinaturas daqueles que desejassem apoiar o projeto.
Esperamos alcançar o número previsto, que é cerca de um milhão e quinhentas mil
assinaturas, para levar, então, ao Congresso Nacional esta proposta, apoiada
pela CNBB e por um grande número de entidades da sociedade civil organizada.
Nós sabemos que existem muitos outros projetos de reforma
política tramitando no Congresso Nacional.
É muito
importante lembrar que a Igreja não se identifica com os políticos, nem com
interesses de partidos políticos. A Igreja tem, nesse setor em relação à
política, uma missão muito própria, muito específica, que é, sobretudo,
ensinar critérios e valores para as decisões de cada cristão, na sua vida
pública, na sua vida social. A Igreja tem a preocupação de formar as pessoas,
as consciências, de modo que ela não se identifica com interesses de partidos
políticos, nem com políticos. A sua preocupação é com o bem da sociedade, com o
bem do Brasil.
Nós sabemos que
quem vai fazer a reforma política não é a CNBB, não é nenhuma dessas entidades.
A reforma política cabe ao Congresso Nacional, casa do povo, onde esses
projetos serão discutidos. Esperamos que chegue a bom termo o projeto que
melhor contribuir para o bem do nosso País.
O importante,
nesse momento, é que quando começar realmente a discussão no Congresso Nacional
sobre a reforma política, os leigos, a sociedade, em especial, os cristãos, os
católicos, estejam atentos ao que está passando no Congresso Nacional,
sobretudo, ao que diz respeito à reforma política, para que ela seja a melhor
possível para o Brasil. Acho que nós necessitamos de normas e procedimentos, de
regras, para as eleições. Nós necessitamos de campanhas mais baratas, menos
custosas, que estão aí consumindo uma fortuna de dinheiro. Nós precisamos para
aqueles que ocupam cargos públicos no Congresso, ou em outros postos no País,
que tenham, de fato, uma representatividade e uma credibilidade por parte da
população. Por isso, a campanha eleitoral deve permitir ao eleitor
maior conhecimento dos candidatos e de suas propostas para poder voltar com toda
liberdade, com toda responsabilidade naquele candidato, naquela candidata, que
ele julga que vai contribuir para o bem e desenvolvimento do nosso País, com
justiça social, com paz, com harmonia. Acho que isso é a grande preocupação da
CNBB, ao incentivar a reforma política, e até mesmo, de certo modo,
protagonizar um pouco essa reforma, junto com uma série de entidades da
sociedade civil. Esse é o objetivo da CNBB. Portanto, não há nenhum interesse
partidário, não há nenhum compromisso com nenhum partido. A CNBB quer o bem do
Brasile deseja que o Congresso acolha e discuta essas propostas, com
muita seriedade, com muita responsabilidade, pensando não em interesses
pessoais, ou dos grupos, mas no bem do nosso País.
Concluída
essa resposta de Dom Damasceno, fizemos o seguinte comentário, antes de passar
para a segunda questão da entrevista, sobre o Sínodo dos Bispos:
Hermes
Rodrigues Nery – Nós, então, deixamos aqui com Dom
Damasceno, um documento (Lero documento), aonde estão elencados uma série de questionamentos, e que Dom
Damasceno, anteriormente nós conversamos sobre esse tema, deixamos aqui para
sua apreciação e a agradecemos desde já pela atenção, e pedimos depois que faça
uma análise mais apurada sobre essas questões todas para que possamos, quando
possível, também, fazer caminhar o processo, mais no sentido de que a
instituição não abrace uma proposta que possa repetir, por exemplo, o que já
aconteceu na Venezuela (Ver artigo) e em outros países, nesse sentido. É mais nesse sentido que nós
trazemos a contribuição para a reflexão.
Em seguida,
partimos para o segundo tema da entrevista:
Hermes
Rodrigues Nery – Sobre a questão do Sínodo, também conversamos
anteriormente, nós percebemos que está havendo por parte de muitos católicos,
recebemos muitas mensagens, eles estão preocupados com o rumo do Sínodo, com a
conclusão do Sínodo e gostaríamos de saber sua opinião, sua posição sobre a
questão da doutrina e da pastoral, quer dizer, na verdade, parece que há uma
mudança de tom na abordagem, de como a Igreja vem tratando essas realidades, e
há uma certa angústia de alguns, de muitos até, de que não haja uma
convergência entre doutrina e pastoral, no campo da moral familiar. Como o
senhor vê isso?
Dom
Raymundo Damasceno Assis – Bom, nós estamos num processo
sinodal, que é muito importante, num processo que começou no ano passado, e
terminou com a primeira etapa deste sínodo sobre a família que produziu um
documento, aprovado pela assembleia sinodal, e depois convalidado pelo papa
Francisco. Este documento está sendo, agora, objeto de estudo, em todas as
dioceses, em todas as paróquias e demais instituições da Igreja. É muito
importante que, nesse momento, o povo de Deus participe no estudo desse
documento, aprovado na última assembleia do Sínodo. Não é ainda um documento
conclusivo, mas que refletiu as contribuições das dioceses, para esta primeira
etapa do Sínodo, que terminou no ano passado, no mês de outubro. Este documento
conclusivo da primeira etapa está na internet e pode ser acessado por qualquer
pessoa (está em português), e já foi encaminhado pela CNBB a todas as dioceses,
com a recomendação de que criassem condições para que a maior parte do povo de
Deus, em cada diocese, participasse no estudo do documento e nas respostas, que
vieram já acompanhando o documento. São 46 perguntas que devem ser respondidas
como contribuição para esta segunda etapa do Sínodo, que vai acontecer no
próximo mês de outubro e que será a fase conclusiva. Certamente haverá uma
Exortação Pós-sinodal, que cabe ao Santo Padre publicar ou não. Só,
então, teremos orientações pastorais para as pastorais
familiares. Teremos, quem sabe, alguma decisão especial, ou alguma
orientação especial para as situações de casos especiais, como é o caso
dos casais em segunda união. Fica o apelo a todas as comunidades para que
participem da preparação deste Sínodo, e respondam as perguntas que foram
enviadas com o documento, para esta fase final do Sínodo sobre a família.
É muito
importante lembrar de que não se está discutindo no Sínodo a doutrina e a moral
sobre o matrimônio, a família. A doutrina, realmente, não
muda. Por exemplo, a indissolubilidade do matrimônio, não é objeto de
discussão. O que se discute é justamente como a Igreja deve proclamar,
hoje, a beleza do matrimônio e como viver esta vocação que é caminho para a
santidade e como aproximar-se desses casais que vivem numa situação difícil,
especial, muitas vezes dolorosa, que são os casais em uma segunda união. Não
foram felizes, fracassaram em sua primeira união, e, por uma razão ou por outra,
contraíram uma segunda união, e que hoje vivem de uma maneira responsável,
estável em sua união, e muitos já por vários anos, inclusive, com filhos
educados na fé cristã, casais que querem viver honestamente, querem viver em
comunhão com a Igreja, participam de suas comunidades, mas não podem acessar ao
sacramento da penitência, nem aproximar-se do sacramento da
comunhão.
Então, o que
fazer? Como a Igreja deve aproximar-se desses casais? Há alguma solução? Há
algum caminho? Sem quebrar, sem violar a indissolubilidade do matrimônio?É
claro que isso tem que estar muito claro para nós. Nós sabemos que há
experiência nesse campo nas igrejas orientais. E esta questão já foi levantada
no Sínodo sobre a Família, em 1984. Mas a questão não foi aprofundada. Agora
está voltando ao Sínodo, e o Sínodo quer dar uma resposta. É claro que não será
uma resposta genérica para todos os casais que vivem essa situação. Primeiro,
porque muitos nem procuram a Igreja para isso, ou não tem nenhuma prática
religiosa. Para aqueles que não encontraram uma solução através do Tribunal
Eclesiástico, por uma razão ou por outra, e às vezes não conseguiram
provar a nulidade do seu matrimônio, esses que vivem nessa situação
angustiados, o que a Igreja pode fazer por eles?
Há propostas
a partir de experiências, por exemplo, das igrejas orientais, isto é,
seguir um caminho de conversão, um caminho penitencial. Esses casais, em casos
especiais, dentro de determinadas condições, poderiam ser acompanhados,
durante um longo período, que nós chamaríamos de caminho penitencial, caminho
de conversão, e depois, no final, quem sabe, caberia ao bispo tomar uma decisão
em relação ao acesso ou não ao sacramento da confissão e da eucaristia. Mas
temos que aguardar as orientações do Sínodo. A primeira etapa não foi
conclusiva, a segunda etapa é que será conclusiva. O Santo Padre, é claro,
deverá divulgar, após o Sínodo das Famílias, como é normal em todos os
sínodos, uma Exortação chamada Pós-sinodal, que irá nos dar a palavra final.
Hermes
Rodrigues Nery – Só para finalizar, temos muitas “falsas soluções
“diante destes desafios tão complexos, e ao longo da História da Igreja, quando
a Igreja sempre foi vigorosa na defesa da Sã Doutrina encontrou respostas
concretas também de adesão, agora na sua opinião, por exemplo, só para
fechar esta reflexão, diante deste desafio, como o sr, vê mais, aonde está a
problemática da mudança de tom, da mudança de abordagem, não pode debilitar um
pouco a Doutrina? Que soluções o sr. encontra na sua experiência? Para onde o
sr. vislumbra o desaguar?
Flávia
Camargo – Só também complementando, a questão da preparação para o
casamento, a gente sente, especialmente na fase de namoro dos nossos jovens, a
gente sente a Igreja um pouco silenciosa a respeito das questões de castidade,
de namoro cristão, para que a gente evitasse casamentos como nós vemos hoje que
logo são desfeitos. O que está se pensando a respeito disso também?
Dom
Raymundo Damasceno Assis – Uma grande preocupação do Sínodo
foi a questão da preparação para o matrimônio. Uma preparação que deve começar
no seio da família, pelos pais em relação aos seus filhos que tem que ajudá-los
a encontrar o seu caminho na vida: a sua profissão, a sua vocação, com toda
liberdade, com toda responsabilidade, tendo em conta as imperfeições, as
qualidades, os talentos dos seus filhos e lembrando que a vocação matrimonial é
a mais comum na sociedade. E que o matrimônio é vocação! Não é, portanto uma
loteria, não é uma experiência que se faz provisoriamente para ver se vai dar
certo. Não! Os que vão se casar, devem ter consciência de que eles estão
optando por uma vocação, uma vocação que é resultado do chamado de
Deus para eles. De se santificarem no amor, no amor mútuo, de esposos e
esposas, e neste amor que transborda para os filhos. O casamento é uma
comunidade de amor e de vida, como diz o Vaticano II, e o casal pode se
santificar e deve se santificar na vida matrimonial. Neste amor mútuo, neste
amor de doação, lembrando de que eles recebem o sacramento do matrimônio, que é
sinal desta doação de Deus para com a comunidade e dessa doação do Cristo para
com sua Igreja. Então o casal é chamado a viver esta entrega mútua, um ao
outro, durante toda a sua vida, superando as dificuldades e para isso eles
recebem o sacramento que lhes dão um aumento da graça santificante, isto
é, graça da comunhão com Deus e uma graça muito específica,
própria do matrimônio, que ajuda a vencer o seu egoísmo, o grande inimigo do
amor, este grande obstáculo da vida a dois no matrimônio e as graças
necessárias para cumprirem seus deveres matrimoniais, de pai e de mãe, na
educação dos seus filhos. De modo que a preparação é fundamental.
Agora, nós
estamos diante de uma situação, que não podemos ignorá-la, situação que
hoje se ampliou muito mais, do que em tempos atrás. Pessoas que hoje casam,
se separam e contraem uma segunda união, muitas vezes sem ter consciência
claramente do que é o sacramento do matrimônio. Quantos jovens hoje,
infelizmente, se casam em uma idade ainda muito nova, sem uma grande
preparação, e muitas vezes nós nos questionamos: será que esse matrimônio foi
feito com toda consciência? Será que esse casal teve consciência que estava
administrando um sacramento, sinal do amor de Deus para com a humanidade, sinal
do amor de Cristo para com a sua Igreja? E de que o estado matrimonial é uma
vocação para a santidade de vida a dois, de vida com os seus filhos e que isso
implica uma série de responsabilidades e que esse amor é uno, é perene, é
permanente, e aberto à vida, pois uma das finalidades do matrimônio é a
procriação, não é a única, mas é uma das finalidades do matrimônio. Então nós
nos questionamos muitas vezes sobre esta situação, que os casais que contraíram
uma segunda união estão vivendo. Alguns talvez de uma maneira muito indiferente,
sem nenhuma preocupação com sua situação, sem nenhuma vinculação com suas
comunidades eclesiais, sem nenhuma preocupação em viver sua responsabilidade
nesta segunda união. Não estamos tratando destes casos, estamos tratando dos
casos de pessoas que estão querendo viver em comunhão com a Igreja, casais
responsáveis, que contraíram esta segunda união e estão vivendo esta segunda
união por vários anos na fidelidade, na abertura à vida, no respeito um ao
outro, participando também da vida da comunidade, naquilo que lhes é
permitido. Estamos tratando destes casais.
Que solução
pastoral a Igreja pode encontrar para estas situações, sem ferir a questão da
indissolubilidade do matrimônio, pois como Jesus afirma no evangelho “o
que Deus uniu o homem não separe”. Então é esta a preocupação, e a Igreja,
espelhando-se em Nosso Senhor Jesus Cristo, quer encontrar uma solução de amor,
de misericórdia, de ternura, de compaixão, de perdão para essas situações. Não
tenho é, claro, nenhuma solução pois não quero antecipar nada de pessoal,
mas aguardar o aprofundamento destas questões no Sínodo, em outubro e,
sobretudo, aguardar a Exortação Apostólica Pós-sinodal que esperamos que o
Santo Padre publique, e teremos, então, a posição clara da Igreja sobre
estas questões relativas ao matrimônio e à família.
Hermes
Rodrigues Nery – Ainda nesta questão, neste traço clássico de Maria Madalena,
quando Jesus diz “vai e não tornes a pecar”, isso é colocado também nesta
dimensão, para encerrar esta questão, dentro desta reflexão, que leitura o sr
faz, por exemplo, da Humanae Vitae, nesta realidade de hoje, por exemplo, neste
contexto?
Dom
Raymundo Damasceno Assis – A Humanae Vitae foi muito
discutida, e, muitas vezes, não muito aceita por falta de compreensão da
posição do Papa Paulo VI. O matrimônio é uma comunidade de amor e de
vida. Portanto, é amor, mas um amor não egoísta, não individualista, e
sim um amor que pensa, também, no bem da sociedade. Por isso, a vida
matrimonial deve estar aberta à vida, à procriação. A Igreja tem as suas normas
com relação a esta questão do planejamento familiar. Não falamos em
controle de natalidade, e sim, em planejamento familiar, que respeita os
métodos naturais, evitando qualquer método abortivo. A Igreja jamais poderá
aceitar isso.
O casal para
viver o que a Igreja propõe, em relação ao planejamento familiar, precisa
da oração, da educação, da auto-disciplina, do acordo dos dois, para que o
matrimônio permaneça e não se dissolva, por dissenção, divergência, entre o
próprio casal. É um caminho, é um processo, a ser conquistado, a ser
adquirido com a graça de Deus e com o esforço próprio. Muitos casais
manifestam a opinião de que realmente quando se observa este caminho dos
métodos naturais, o casal se realiza mais, é mais feliz em sua vida
matrimonial, inclusive, na sua relação sexual. A mulher não é só objeto de
prazer, mas ela tem de ser respeitada, ela é parceira do homem, igual em
dignidade, de modo que, no planejamento dos filhos devem levar em conta não só
a geração, mas também, a possibilidade que tem o casal de educá-los
e de formar os seus filhos para serem bons cristãos e bons cidadãos. Acho que é
um conjunto de fatores que devem levar o casal a tomar a sua decisão, mas
não de uma maneira individualista e egoísta.
Não é o caso do
casal que não quer ter filhos porque quer gozar a vida, acha o filho um
problema, que ele vai dificultar a vida deles, de ser felizes, de viajar.
Então, este não é o critério que deve levar o casal a planejar os seus filhos,
a sua família. O critério deve ser de mais generosidade, de amor, do bem da
sociedade, do bem do próprio casal e dos próprios filhos. São estes
critérios que a Igreja dá para os casais. Nós sabemos que é difícil, mas com a
graça de Deus, com a oração, com esforço, pode-se viver um casamento dentro
daquilo que a Igreja orienta para um casal cristão.
Hermes
Rodrigues Nery – O sr. como presidente da CNBB pode nos fazer somente mais
uma colocação que é a seguinte: a Evangelii Gaudium que o sr. citou agora há
pouco, traz uma questão, que é a discussão sobre a reforma da cúria romana, que
traz em uma de suas partes o aceno à possibilidade de dar autoridade doutrinal
para as conferências episcopais. Como o sr. vê este processo da reforma da
cúria romana, como presidente de uma conferência episcopal?
Dom
Raymundo Damasceno Assis – É uma questão que também não foi
discutida, que está acenada na Evangelii Gaudium mas que não foi discutida, nem
aprofundada.
Hermes
Rodrigues Nery – A partir da sua experiência, o que sr. tem
a dizer sobre isso?
Dom
Raymundo Damasceno Assis – Creio que muitas atribuições
poderiam ser dadas às Conferências Episcopais, sem necessidade de
recorrer à Santa Sé, para tomar determinadas decisões de âmbito nacional.
Situações que, realmente, não são de grande importância, que poderiam ser
resolvidas pelas Conferências Episcopais. Há muitas questões para as
quais devemos recorrer à Santa Sé, e eu creio que muitas poderiam ser
atribuições próprias da Conferência porque é algo do conhecimento delas, da esfera
delas e que não entram em questões doutrinárias propriamente. São questões
muitas vezes administrativas, que poderiam ser resolvidas pelas Conferências
Episcopais.
___________________________________
ZENIT
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