MENSAGEM DA CNBB AO POVO
BRASILEIRO
“Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5)
Suplicando a assistência do Espírito Santo, na
comunhão e na unidade, nós, Bispos do Brasil, reunidos na 57ª Assembleia Geral
da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB, no Santuário Nacional, em
Aparecida-SP, de 1 a 10 de maio de 2019, dirigimos nossa mensagem ao povo
brasileiro, tomados pela ternura de pastores que amam e cuidam do rebanho.
Desejamos que as alegrias pascais, vividas tão intensamente neste tempo,
renovem, no coração e na mente de todos, a fé em Jesus Cristo Crucificado-Ressuscitado,
razão de nossa esperança e certeza de nossa vitória sobre tudo que nos aflige.
“Eis que estou convosco todos os dias, até o
fim dos tempos” (Mt 28,20)
Enche-nos de esperançosa alegria constatar o
esforço de nossas comunidades e inúmeras pessoas de boa vontade em testemunhar
o Evangelho de Jesus Cristo, comprometidas com a vivência do amor, a prática da
justiça e o serviço aos que mais necessitam. São incontáveis os sinais do Reino
de Deus entre nós a partir da ação solidária e fraterna, muitas vezes anônima,
dos que consomem sua vida na transformação da sociedade e na construção da
civilização do amor. Por essa razão, a esperança e a alegria, frutos da
ressurreição de Cristo, hão de ser a identidade de todos os cristãos. Afinal,
quando deixamos que o Senhor nos tire de nossa comodidade e mude a nossa vida,
podemos cumprir o que ordena São Paulo: ‘Alegrai-vos sempre no Senhor! De novo
o digo: alegrai-vos!’ (Fl 4,4) (cf. Papa Francisco, Exortação Apostólica
Gaudete et Exultate, 122).
“No mundo tereis aflições, mas tende coragem!
Eu venci o mundo” (Jo 16,33).
Longe de nos alienar, a alegria e a esperança
pascais abrem nossos olhos para enxergarmos, com o olhar do Ressuscitado, os
sinais de morte que ameaçam os filhos e filhas de Deus, especialmente, os mais
vulneráveis. Estas situações são um apelo a que não nos conformemos com este
mundo, mas o transformemos (cf. Rm 12,2), empenhando nossas forças na superação
do que se opõe ao Reino de justiça e de paz inaugurado por Jesus.
A crise ética, política, econômica e cultural
tem se aprofundado cada vez mais no Brasil. A opção por um liberalismo
exacerbado e perverso, que desidrata o Estado quase ao ponto de eliminá-lo,
ignorando as políticas sociais de vital importância para a maioria da população,
favorece o aumento das desigualdades e a concentração de renda em níveis
intoleráveis, tornando os ricos mais ricos à custa dos pobres cada vez mais
pobres, conforme já lembrava o Papa João Paulo II na Conferência de Puebla
(1979). Nesse contexto e inspirados na Campanha da Fraternidade deste ano, urge
reafirmar a necessidade de políticas públicas que assegurem a participação, a
cidadania e o bem comum. Cuidado especial merece a educação, gravemente
ameaçada com corte de verbas, retirada de disciplinas necessárias à formação
humana e desconsideração da importância das pesquisas.
A corrupção, classificada pelo Papa Francisco
como um “câncer social” profundamente radicada em inúmeras estruturas do país,
é uma das causas da pobreza e da exclusão social na medida em que desvia
recursos que poderiam se destinar ao investimento na educação, na saúde e na
assistência social, caminho de superação da atual crise. A eficácia do combate
à corrupção passa também por uma mudança de mentalidade que leve a pessoa compreender
que seu valor não está no ter, mas no ser e que sua vida se mede não por sua
capacidade de consumir, mas de partilhar.
O crescente desemprego, outra chaga social, ao
ultrapassar o patamar de 13 milhões de brasileiros, somados aos 28 milhões de subutilizados,
segundo dados do IBGE, mostra que as medidas tomadas para combatê-lo, até
agora, foram ineficazes. Além disto, é necessário preservar os direitos dos
trabalhadores e trabalhadoras. O desenvolvimento que se busca tem, no trabalho
digno, um caminho seguro desde que se respeite a primazia da pessoa sobre o
mercado e do trabalho sobre o capital, como ensina a Doutrina Social da Igreja.
Assim, “a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são questões que
deveriam estruturar toda a política econômica, mas às vezes parecem somente
apêndices adicionados de fora para completar um discurso político sem
perspectivas nem programas de verdadeiro desenvolvimento integral” (Papa
Francisco, Evangelii Gaudium, 203).
A violência também atinge níveis insuportáveis.
Aos nossos ouvidos de pastores chega o choro das mães que enterram seus filhos
jovens assassinados, das famílias que perdem seus entes queridos e de todas as
vítimas de um sistema que instrumentaliza e desumaniza as pessoas, dominadas
pela indiferença. O feminicídio, o submundo das prisões e a criminalização
daqueles que defendem os direitos humanos reclamam vigorosas ações em favor da
vida e da dignidade humana. O verdadeiro discípulo de Jesus terá sempre no
amor, no diálogo e na reconciliação a via eficaz para responder à violência e à
falta de segurança, inspirado no mandamento “Não matarás” e não em projetos que
flexibilizem a posse e o porte de armas.
Precisamos ser uma nação de irmãos e irmãs,
eliminando qualquer tipo de discriminação, preconceito e ódio. Somos
responsáveis uns pelos outros. Assim, quando os povos originários não são
respeitados em seus direitos e costumes, neles o Cristo é desrespeitado: “Todas
as vezes que deixastes de fazer isso a um destes mais pequeninos, foi a mim que
o deixastes de fazer” (Mt 25,45). É grave a ameaça aos direitos dos povos
indígenas assegurados na Constituição de 1988. O poder político e econômico não
pode se sobrepor a esses direitos sob o risco de violação da Constituição.
A mercantilização das terras indígenas e
quilombolas nasce do desejo desenfreado de quem ambiciona acumular riquezas.
Nesse contexto, tanto as atividades mineradoras e madeireiras quanto o
agronegócio precisam rever seus conceitos de progresso, crescimento e
desenvolvimento. Uma economia que coloca o lucro acima da pessoa, que produz
exclusão e desigualdade social, é uma economia que mata, como nos alerta o Papa
Francisco (EG 53). São emblemático exemplo disso os crimes ocorridos em Mariana
e Brumadinho com o rompimento das barragens de rejeitos de minérios.
As necessárias reformas política, tributária e
da previdência só se legitimam se feitas em vista do bem comum e com
participação popular de forma a atender, em primeiro lugar, os pobres, “juízes
da vida democrática de uma nação” (Exigências éticas da ordem democrática, CNBB
– n. 72). Nenhuma reforma será eticamente aceitável se lesar os mais pobres.
Daí a importância de se constituírem em autênticas sentinelas do povo as
Igrejas, os movimentos sociais, as organizações populares e demais instituições
e grupos comprometidos com a defesa dos direitos humanos e do Estado
Democrático de Direito. Instâncias que possibilitam o exercício da democracia
participativa como os Conselhos paritários devem ser incentivadas e valorizadas
e não extintas como estabelece o decreto 9.759/2019.
“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e
sua justiça” (Mt 6,33)
O Brasil que queremos emergirá do
comprometimento de todos os brasileiros com os valores que têm o Evangelho como
fonte da vida, da justiça e do amor. Queremos uma sociedade cujo
desenvolvimento promova a democracia, preze conjuntamente a liberdade e a
igualdade, respeite as diferenças, incentive a participação dos jovens,
valorize os idosos, ame e sirva os pobres e excluídos, acolha os migrantes,
promova e defenda a vida em todas as suas formas e expressões, incluído o
respeito à natureza, na perspectiva de uma ecologia humana e integral.
As novas Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil, que aprovamos nesta 57ª Assembleia da CNBB,
e o Sínodo para a Pan-Amazônia, a se realizar em Roma, em outubro deste ano,
ajudem no compromisso que todos temos com a construção de uma sociedade
desenvolvida, justa e fraterna. Lembramos que “o desenvolvimento tem
necessidade de cristãos com os braços levantados para Deus em atitude de
oração, cristãos movidos pela consciência de que o amor cheio de verdade –
caritas in veritate -, do qual procede o desenvolvimento autêntico, não o
produzimos nós, mas nos é dado” (Bento XVI, Caritas in veritate, 79). O caminho
é longo e exigente, contudo, não nos esqueçamos de que “Deus nos dá a força de
lutar e sofrer por amor do bem comum, porque Ele é o nosso Tudo, a nossa
esperança maior” (Bento XVI, Caritas in veritate, 78).
A Virgem Maria, mãe do Ressuscitado, nos
alcance a perseverança no caminho do amor, da justiça e da paz.
Aparecida-SP,
7 de maio de 2019.
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CNBB
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