Caro Amigo, gostaria, de recordar uma
declaração da Santa Sé, da Congregação para a Doutrina da Fé, publicada por
ordem de São João Paulo II, a Declaração Dominus Iesus. O objetivo do documento
era, na verdade, “recordar aos Bispos, aos teólogos e a todos os fiéis
católicos alguns conteúdos doutrinais imprescindíveis” para a nossa fé católica
e apostólica.
Primeiramente o texto critica uma ideia muito
difundida hoje em dia que afirma que todas as religiões têm o mesmo valor, pois
cada uma ensina uma parte da verdade. A verdade divina é tão grande – dizem
alguns – que nenhuma religião por si só pode exprimi-la totalmente. Assim,
Jesus Cristo seria apenas parte da verdade de Deus. Mas esta verdade precisaria
ser completada pelo que outras religiões apresentam: Buda, Confúcio, Maomé,
etc, seriam outras manifestações da única verdade divina. Jesus poderia até ser
a manifestação mais completa desta verdade, mas Ele não seria a verdade
absoluta e universal.
Que pensar de tal opinião? O Documento insiste
que é necessário “reafirmar, antes de mais, o caráter definitivo e completo da
revelação de Jesus Cristo. Deve, de fato, crer-se firmemente na afirmação que
no mistério de Jesus Cristo, Filho de Deus encarnado, que é o Caminho, a
Verdade e a Vida (cf. Jo 14,6), dá-se a revelação da plenitude da verdade
divina. (...) A verdade profunda, tanto a respeito de Deus como da salvação dos
homens, manifesta-se a nós por esta revelação na Pessoa de Jesus Cristo que é
simultaneamente o mediador e a plenitude da revelação”.
Em outras palavras, “é contrária à fé da
Igreja a tese que defende o caráter limitado, incompleto e imperfeito da
revelação de Jesus Cristo, que seria complementar da que é presente nas outras
religiões. (...) Temos em Jesus Cristo a revelação plena e completa do mistério
salvífico de Deus!” Assim, Jesus é a revelação plena do Pai e tudo quanto
contradiga Sua revelação não está de acordo com a verdade divina. Isso não
significa que as religiões não-cristãs sejam más: elas têm elementos da verdade
e até podem ajudar o homem na sua busca de Deus, que “não deixa de Se tornar
presente sob variadas formas quer aos indivíduos, quer aos povos, através de
suas riquezas espirituais, das quais a principal e essencial expressão são as
religiões, mesmo se contêm lacunas, insuficiências e erros”. Contudo tais
religiões não são fruto da revelação divina e sim da busca de verdade que, por
vontade de Deus, reside no coração do homem.
Quanto aos textos “sagrados” dessas religiões
(o Corão, o Veda, etc), são expressão dessa busca que se encontra no íntimo de
cada ser humano e, neste sentido, merecem nosso respeito. Contudo não são
inspirados pelo Espírito Santo no sentido da inspiração bíblica.
O Documento afirma também que “a ação
salvífica de Jesus Cristo, com e pelo Seu Espírito, estende-se, para além dos
confins visíveis da Igreja, a toda a humanidade”. Isto significa que mesmo um
não-cristão pode salvar-se pois, seguindo sua consciência orientada para o bem,
ele está seguindo os impulsos do Espírito do Cristo morto e ressuscitado. Todos
podem salvar-se, mas toda salvação vem através do Espírito do Cristo, único
Senhor e Salvador da humanidade: “os homens só poderão entrar em comunhão com
Deus através de Cristo e sob a ação do Espírito”, quer eles tenham quer não
tenham consciência disso. Assim, ao mesmo tempo em que afirma que Jesus é o
único Salvador, o Documento deixa claro que, em Jesus todos poderão encontrar a
salvação, mesmo aqueles que não o conhecem nem reconhecem explicitamente.
Depois disto, o texto da Santa Sé trata da
questão da Igreja. O raciocínio é decorrente do que foi dito sobre Jesus
Cristo. Vejamos. “O Senhor Jesus, único Salvador, não formou uma simples
comunidade de discípulos, mas constituiu a Igreja como mistério de salvação:
Ele mesmo está na Igreja e a Igreja Nele (cf. Jo 15,1ss; Gl 3,28; Ef 4,15s; At
9,5); por isso, a plenitude do mistério salvífico de Cristo pertence também à
Igreja, unida de modo inseparável ao seu Senhor”. Em outras palavras: Cristo
uniu a Igreja à Sua missão salvífica, de modo que Ele mesmo opera a salvação
“na Igreja e através da Igreja”, que é Seu Corpo (cf. 1Cor 12,12s.27; Cl 1,18).
Por isso mesmo, “em relação com a unicidade e universalidade da mediação
salvífica de Jesus Cristo, deve-se crer firmemente como verdade de fé católica a unicidade da
Igreja por Ele fundada. Como existe um só Cristo, também existe um só Seu Corpo
e uma só Esposa: uma só Igreja católica e apostólica”. Assim, “segundo a fé
católica, a unicidade e unidade, bem como tudo o que concerne a integridade da
Igreja jamais virão a faltar. Os fieis são obrigados a professar que existe uma
continuidade histórica – radicada na sucessão apostólica – entre a Igreja
fundada por Cristo e a Igreja Católica”. Esta Igreja de Cristo, como sociedade
constituída neste mundo subsiste ( = mantém-se, permanece no que tem de
essencial) na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos
em comunhão com ele. Com isso o Documento quer afirmar claramente que “a Igreja
de Cristo, apesar das divisões dos cristãos, continua a existir plenamente na
Igreja Católica”. Somente a Igreja católica conservou a plenitude daqueles
elementos próprios da Igreja de Cristo. Quais seriam estes elementos? Vejamos
alguns: a Palavra de Deus escrita e transmitida oralmente, a Eucaristia e os
demais sacramentos, a sucessão apostólica presente sobretudo no Episcopado, o
ministério petrino, a vida de fé, esperança e caridade, a ação de anunciar o
Evangelho da graça, o martírio de tantos membros da Igreja, a presença materna
da Virgem Maria e dos santos, etc. Todos estes elementos pertencem à Igreja de
Cristo. E as outras Igrejas (as Igrejas chamadas ortodoxas) e Comunidades
cristãs (as comunidades protestantes e pentecostais?) Elas, graças a Deus,
possuem tantos elementos da Igreja de Cristo: no caso dos irmãos católicos
ortodoxos, falta-lhes somente o ministério petrino; no caso das comunidades
nascidas da Reforma protestante, apesar de graves lacunas, há tantos elementos
que nos unem: o amor à Palavra de Deus escrita, o testemunho de Cristo e da
Trindade Santa, a vida de fé, esperança e caridade, o martírio de tantos irmãos
pelo Nome de Jesus. Todos estes são elementos da Igreja de Cristo que, graças a
Deus, estão presentes nestas Comunidades eclesiais e nos impelem à unidade da
única Igreja de Cristo. Uma coisa é certa, no entanto: “os fieis não podem
imaginar a Igreja de Cristo como se fosse uma soma das Igrejas e Comunidades
eclesiais; nem lhes é permitido pensar que a Igreja de Cristo hoje não exista
em parte alguma, tornando-se, assim, um mero objeto de procura por parte de
todas as Igrejas e Comunidades”. Com isto não se quer dizer de modo algum que
quem está fora da Igreja católica não se salve ou não pertença à Igreja: “as próprias
Igrejas e Comunidades separadas, embora tendo faltas, não se pode dizer que não
tenham importância no mistério da salvação ou sejam vazias de significado, já
que o Espírito não Se recusa a servir-Se delas como instrumentos de salvação,
cujo valor deriva da mesma plenitude da graça e da verdade que foi dada à
Igreja de Cristo”.
Finalmente o Documento explica que a Igreja
não é o Reino, mas é sinal do Reino, “é o Reino já presente em mistério”. Este
Reino de Deus foi inaugurado por Cristo e somente Nele pode acontecer em
plenitude. A Igreja, como sinal deste Reino e como Corpo do Cristo, único
Salvador, é necessária para a salvação. “Só Cristo é o mediador e caminho da
salvação; ora, Sle torna-Se presente no Seu Corpo, que é a Igreja. (...) Esta
doutrina não se contrapõe à vontade salvífica universal de Deus (cf. 1Tm 2,4);
daí a necessidade de manter unidas as duas verdades: a real possibilidade de
salvação em Cristo para todos os homens e a necessidade da Igreja para essa
salvação”.
Em outras palavras: todo aquele que, sem culpa
não (re)conhece a Cristo ou não (re)conhece a Igreja católica, seguindo
retamente sua consciência pode ser salvo. Mas esta salvação vem do Cristo que é
Cabeça da Igreja, que subsiste plenamente na Igreja católica. Toda salvação vem
de Cristo; toda salvação passa, de modo que só Deus conhece, pela Igreja
católica, Corpo do Salvador.
Estes pontos aqui elencados exprimem elementos
muito importantes da nossa fé e devem ser sempre e em toda parte sustentados
com firmeza firmeza e serenidade. O Senhor nos ajude a fazê-lo!
Dom Henrique Soares da Costa
Bispo de Palmares, PE
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Visão Cristã
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