VIAGEM
APOSTÓLICA À ROMÊNIA
DIVINA LITURGIA COM A BEATIFICAÇÃO
DE 7 BISPOS GRECO-CATÓLICOS MÁRTIRES
HOMILIA DO SANTO PADRE
Campo
da Liberdade em Blaj, Romênia
Domingo,
2 de junho de 2019
«Rabi, quem foi que pecou para este homem ter
nascido cego? Ele, ou os seus pais?» (Jo 9, 2). Esta pergunta dos discípulos
dirigida a Jesus desencadeia uma série de movimentos e ações que permeiam toda
a narração evangélica, desvendando e colocando em evidência aquilo que
realmente cega o coração humano.
Jesus, como os seus discípulos, vê o cego de
nascença, é capaz de o reconhecer e colocá-lo no centro. Depois de ter
declarado que a sua cegueira não era fruto do pecado, mistura o pó da terra com
a sua saliva e, com a lama feita, unge-lhe os olhos; depois ordena-lhe que vá
lavar-se à piscina de Siloé. Depois de se ter lavado, o cego recupera a vista.
É interessante notar que o milagre é narrado apenas em dois versículos; todos
os outros concentram-se, não sobre o cego curado, mas sobre as discussões que
levanta. Parece que a sua vida e especialmente a sua cura se tornem banais,
jocosas ou motivos de debate bem como de enfado e irritação. O cego curado é
interrogado primeiro pela multidão atónita, depois pelos fariseus; e estes
interrogam também os seus pais. Colocam em dúvida a identidade do homem curado;
depois negam a ação de Deus, tomando como desculpa que Deus não trabalha ao
sábado; chegam até a duvidar que aquele homem tivesse nascido cego.
Toda a cena e as discussões revelam como é
difícil entender as ações e as prioridades de Jesus, capaz de trazer para o
centro aquele que estava na periferia, especialmente quando se pensa que a
primazia é dada ao «sábado» e não ao amor do Pai, que procura salvar todos os
homens (cf. 1 Tm 2, 4); o cego tinha de conviver não apenas com a sua própria
cegueira, mas também com a daqueles que o rodeavam. É o que fazem as
resistências e hostilidades que surgem no coração humano, quando no centro, em
vez das pessoas, se colocam interesses particulares, rótulos, teorias,
abstrações e ideologias, que, onde campeiam, nada mais fazem senão cegar tudo e
a todos. Mas a lógica do Senhor é diferente: longe de se esconder na
inatividade ou na abstração ideológica, procura a pessoa com o seu rosto, com
as suas feridas e a sua história. Vai ao encontro dela, e não Se deixa enganar
por discursos que são incapazes de dar a prioridade e pôr no centro aquilo que
realmente é importante.
Estas terras conhecem bem o sofrimento do
povo, quando o peso da ideologia ou dum regime é mais forte do que a vida e se
antepõe como norma à própria vida e à fé das pessoas; quando a capacidade de
decisão, a liberdade e o espaço para a criatividade se veem reduzidos e até
eliminados (cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 108). Irmãos e irmãs, vós
suportastes os discursos e as intervenções baseadas no descrédito que chegavam
à expulsão e aniquilação de quem não se pode defender, e silenciavam as vozes
dissonantes. Pensemos, em particular, nos sete Bispos greco-católicos que tive
a alegria de proclamar Beatos. Perante a feroz opressão do regime, demonstraram
uma fé e um amor exemplares pelo seu povo. Com grande coragem e fortaleza
interior, aceitaram ser sujeitos a dura prisão e a todo o tipo de maus-tratos,
para não renegar a pertença à sua amada Igreja. Estes pastores, mártires da fé,
recuperaram e deixaram ao povo romeno uma preciosa herança que podemos resumir
em duas palavras: liberdade e misericórdia.
A propósito da liberdade, não posso deixar de
observar que estamos a celebrar esta Divina Liturgia no «Campo da Liberdade».
Este significativo lugar recorda a unidade do vosso povo que se realizou na diversidade
das suas expressões religiosas: isto constitui um património espiritual que
enriquece e carateriza a cultura e a identidade nacionais romenas. Os novos
Beatos sofreram e sacrificaram a sua vida, opondo-se a um sistema ideológico
iliberal e coercitivo dos direitos fundamentais da pessoa humana. Naquele
triste período, a vida da comunidade católica foi colocada a dura prova pelo
regime ditatorial e ateu: todos os bispos e muitos fiéis da Igreja
Greco-Católica e da Igreja Católica de Rito Latino foram perseguidos e
encarcerados.
O outro aspeto da herança espiritual dos novos
Beatos é a misericórdia. Neles, a tenacidade em professar a sua fidelidade a
Cristo foi acompanhada por uma disposição ao martírio sem palavras de ódio
contra os perseguidores, em relação aos quais demonstraram uma substancial
mansidão. É eloquente aquilo que declarou durante a sua prisão o Bispo D. Iuliu
Hossu: «Deus mandou-nos para estas trevas do sofrimento, a fim de perdoar e
rezar pela conversão de todos». Estas palavras são o símbolo e a síntese da
atitude com que estes Beatos, no período da prova, sustentaram o seu povo para
continuar a confessar a fé sem cedimentos nem retaliações. Esta atitude de
misericórdia para com os verdugos é uma mensagem profética, porque aparece hoje
como um convite a todos para superarem o rancor com a caridade e o perdão,
vivendo com coerência e coragem a fé cristã.
Amados irmãos e irmãs, também hoje voltam a
surgir novas ideologias que procuram, de maneira subtil, impor-se e desenraizar
o nosso povo das suas mais ricas tradições culturais e religiosas. Colonizações
ideológicas, que desprezam o valor da pessoa, da vida, do matrimónio e da
família (cf. Francisco, Exort. ap. pós-sinodal Amoris laetitia, 40) e, com
propostas alienantes e não menos ateias do que no passado, lesam de modo
particular os nossos jovens e crianças deixando-os privados de raízes que lhes
permitam crescer (cf. Francisco, Exort. ap. Christus vivit, 78). E então tudo
se torna irrelevante, se não servir os próprios interesses imediatos, e induz
as pessoas a aproveitarem-se umas das outras e a tratá-las como meros objetos
(cf. Francisco, Carta enc. Laudato si’, 123-124). São vozes que, semeando medo
e divisão, procuram cancelar e sepultar a herança mais preciosa que estas terras
viram nascer. A propósito desta herança, penso, por exemplo, no Édito de Torda
de 1568, que sancionava todo o tipo de radicalismo, promovendo – é um dos
primeiros casos na Europa – um ato de tolerância religiosa.
Quero encorajar-vos a levar a luz do Evangelho
aos nossos contemporâneos e continuar a lutar, como estes Beatos, contra estas
novas ideologias que vão surgindo. Agora, toca a nós lutar, como então tocou a
eles. Possais vós ser testemunhas de liberdade e misericórdia, fazendo
prevalecer a fraternidade e o diálogo sobre as divisões, incrementando a
fraternidade do sangue que tem a sua origem no período de sofrimento em que os
cristãos, divididos ao longo da história, se descobriram mais próximos e
solidários. Que vos acompanhem no vosso caminho, caríssimos irmãos e irmãs, a
proteção materna da Virgem Maria, Santa Mãe de Deus, e a intercessão dos novos
Beatos.
__________________________
Canção Nova
Nenhum comentário:
Postar um comentário