Infelizmente
se tem notado, na Internet, certa leviandade dos católicos em relação ao Papa.
O Pontífice Romano frequentemente é criticado como se fosse um qualquer, o que
mostra uma grande ignorância da instituição do papado para a Igreja.
Em linhas
gerais, a doutrina católica sobre o Papa foi condensada na Constituição
Dogmática Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I [1]. As definições aí
contidas são dogmáticas. Para nós, católicos, portanto, o seu conteúdo trata de
certezas inabaláveis. Devemos dar o nosso consentimento total a algo ou por
evidência ontológica (quando se diz, por exemplo, que dois mais dois são
quatro), ou pelo testemunho de uma pessoa infalível (como é o caso de Cristo,
cuja ação se manifesta também no Concílio Ecumênico). Por isso – pela
autoridade divina que revela –, a infalibilidade papal é de fé obrigatória para
todos os católicos. O teólogo suíço Hans Küng, por exemplo, quando escreveu a
obra Unfehlbar? [“Infalível?”], perdeu a licença para lecionar teologia
católica, já que tinha questionado um dogma de fé.
O texto
da Pastor Aeternus começa lembrando a fundação divina da Igreja, a qual
Nosso Senhor colocou sob o encargo dos apóstolos. Em seu primeiro capítulo,
sobre “a instituição do primado apostólico em S. Pedro”, o documento confirma
que Cristo deu pessoalmente ao Apóstolo Pedro um poder que estava acima daquele
dado aos doze. E conclui:
“Se,
pois, alguém disser que o bem-aventurado Pedro Apóstolo não foi constituído por
Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja
militante; ou que ele recebeu, direta e imediatamente, do mesmo Senhor nosso
Jesus Cristo, apenas um primado de honra, não porém um primado de jurisdição
verdadeira e própria: seja anátema.” [2]
Portanto,
São Pedro não era um primus inter pares, mas possuía uma autoridade realmente
superior à dos demais apóstolos. Quando São Paulo, por exemplo, repreende
publicamente São Pedro [3], ele o faz como um súdito que repreende o seu
superior, não um igual.
No segundo
capítulo da constituição, fala-se da “perpetuidade do primado de S. Pedro nos
Romanos Pontífices”. Não só Cristo confiou a São Pedro um encargo particular,
como essa função é transmitida a todos os seus sucessores, que são os bispos de
Roma:
“Se, portanto,
alguém disser não ser por instituição do próprio Cristo, ou seja, de direito
divino, que o bem-aventurado Pedro tem perpétuos sucessores no primado sobre a
Igreja universal; ou que o Romano Pontífice não é o sucessor do bem-aventurado
Pedro no mesmo primado: seja anátema.” [4]
No
terceiro capítulo, que fala da “natureza e o caráter do primado do Pontífice
Romano”, o Concílio Vaticano I recorda o “dever de subordinação hierárquica e
de verdadeira obediência” que todos “os pastores e os fiéis de qualquer rito e
dignidade” têm para com o Sumo Pontífice [5]. Por isso, o Papa não deve ser
ouvido apenas quando fala infalivelmente, mas também em seus atos de Magistério
ordinário.
Não é
compreensível, por exemplo, que se afaste a necessidade de acolher os documentos
do Concílio Vaticano II, sob o pretexto de que ele não definiu nenhum dogma
infalível. Embora tenha sido pastoral, o Vaticano II é um ato magisterial
autêntico, solene – pois se trata de um Concílio – e regido por dois papas. Ele
não pode, pois, ser levianamente criticado, como muitas vezes se vê acontecer
em meios ditos católicos, mas somente em uma situação muito grave e após um
estudo muito sério.
E por que
ficar “cheio de dedos” com relação a isso? Para explicar, pode servir a
seguinte analogia. O quarto mandamento, honrar pai e mãe, impõe o dever de amar
aqueles que nos geraram. Esse amor faz parte de uma instituição, que é a
família. Ao contrário do que muitos erroneamente dizem, as instituições não são
uma coisa “fria”. Não há coisa mais terna do que a família e, no entanto, ela é
uma instituição. O amor devido aos pais é, portanto, um amor institucional. Se,
porém, parece muito óbvio respeitar e tratar bem os próprios familiares, o
quarto mandamento também se encaixa no caso de pais que ou não são ou não foram
bons pais ou, por algum pecado ou defeito, não sejam tão amáveis. Afinal,
devem-se amar os pais não por aquilo que eles são ou deixaram de ser, mas pelo
fato mesmo de serem pais.
Ora, o
papado também é uma instituição. E realizada pelo próprio Deus. Por isso, todo
o católico tem o dever de amar o Santo Padre. É perfeitamente possível que se
ame o Papa por alguma qualidade pessoal que ele possua – como João Paulo II,
por ser carismático; ou Bento XVI, por ser um grande teólogo; ou Francisco, por
ser humilde –, mas, antes de tudo, é preciso amá-lo pelo que é
institucionalmente. Se um dia for eleito um Pontífice pelo qual se sinta certa
antipatia, não é possível lavar as mãos e pensar que se esteja isento de
amá-lo. Se ele foi eleito, é o chefe visível da Igreja e o pai de todos os
católicos. E pai não se escolhe, recebe-se.
Conclui o
capítulo terceiro lembrando que o Papa tem “o pleno e supremo poder de
jurisdição sobre a Igreja universal, não só nas matérias referentes à fé e aos
costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja
espalhada por todo o orbe” [6]. Isso diz respeito principalmente ao poder
pontifício de nomear e depor os bispos ao redor do mundo. Se todos os
Ordinários têm jurisdição particular e ordinária em suas dioceses, apenas o
Sumo Pontífice tem “o pleno e supremo poder de jurisdição”. Por isso se fala
que não se pode apelar acima do Santo Padre. Um Papa só pode ser julgado por
seu sucessor, quando já não o foi por uma declaração infalível de um predecessor
ou de um Concílio Ecumênico. Em todo caso, sempre é possível, diante de um Papa
que obriga os fiéis a fazerem algo que destruirá a sua fé, uma ação de
“legítima defesa”, por assim dizer: não se deve julgá-lo, mas, pode-se, em
legítima defesa, não se fazer o que ele manda.
Importa
lembrar, no entanto, que essa atitude só pode ser tomada quando há uma
autoridade superior que manda o contrário do que diz o Papa – no caso, a
autoridade de Deus. Não se pode tomar como desculpa para desobedecer a simples
discordância pessoal de seus atos de Magistério. Eis uma ocasião oportuna para
exercitar a virtude da obediência, que funciona justamente quando se entra em
desacordo com seu superior.
Outro
cuidado deve ser tomado no que concerne às críticas públicas ao Santo Padre.
Infelizmente, alguns dentro da Igreja têm agido com certa tranquilidade para
falar mal do vigário de Cristo na Terra, quando um verdadeiro católico, se
tivesse uma razão muito séria para tal, fá-lo-ia sempre com afeto filial, e não
com o sarcasmo e o prazer sádico que muitas vezes se vê.
No que
tange à doutrina da infalibilidade papal, que é o conteúdo do quarto capítulo
da Pastor Aeternus, pode ser útil uma comparação. Imagine-se que somos
trabalhadores edificando uma construção e o engenheiro, que é o mestre de
obras, tem um instrumento especial com o qual ele faz uma prospecção do
terreno, a fim de saber que lugar é rocha ou areia. Na Igreja, os Papas são
como esses engenheiros. No terreno em que se edifica a Igreja, não raras vezes
a rocha está debaixo de uma camada de areia e só o Sumo Pontífice, como o
mestre de obras, pode, assistido pelo Espírito Santo, dizer se aquele terreno é
terra sólida ou não.
Nas atas
do Concílio Vaticano I, Vincenzo Gasser, bispo de Bressanone, explica com muita
clareza o que quer dizer a expressão “infalibilidade pessoal”, com relação ao
Sumo Pontífice. Não se trata de dizer que ele é infalível enquanto pessoa
privada, mas enquanto sucessor de São Pedro, a quem Nosso Senhor confiou
particularmente as chaves do Reino dos céus [7].
Além
disso, o Santo Padre não é infalível o tempo todo, mas apenas em circunstâncias
especiais. Nessas ocasiões, ele não se declara por conta de uma “nova
revelação” – afinal, “a economia cristã, como nova e definitiva aliança, jamais
passará, e já não se há de esperar nenhuma nova revelação pública antes da
gloriosa manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo” [8] –, mas por assistência
do Espírito Santo. Esta, a propósito, não dispensa a consulta dos meios
humanos. O Papa Pio XII, quando proclamou o dogma da Assunção de Nossa Senhora,
por exemplo, consultou o episcopado do mundo inteiro antes de fazê-lo. E –
exemplifica São Roberto Belarmino, doutor da Igreja – o próprio São Pedro, que
poderia ter dirimido por conta própria a controvérsia judaizante, preferiu
convocar o Concílio de Jerusalém para resolver a questão [9].
Em tempos
de crise pós-conciliar, é importante apontar o terreno sólido sobre o qual
edificar a fé católica. Esse terreno apontaram-no os Papas, os santos doutores
e, de modo especial, a constituição Pastor Aeternus, do Concílio Vaticano I,
que vale a pena estudar e conhecer a fundo, pois é doutrina segura sobre o
Papa, ensinada ao longo dos séculos pela Igreja.
Padre Paulo Ricardo
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Documento
para estudo
Referências
- Cf. Denzinger-Hünnerman, 3050-3075
- Ibidem, 3055
- Cf. Gl 2, 11-14
- Denzinger-Hünnerman, 3058
- Ibidem, 3060
- Ibidem, 3064
- Cf. Mt 16, 19
- Dei Verbum, 4
- Cf. At 15, 6-35
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Cristo Nihil Praeponere
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