A serpente introduziu o veneno da morte na história
humana. E o veneno é este: "não deves obediência a ninguém, és deus. A
felicidade consiste em fazeres de tua vida o que quiseres. Não haverá limites
para teus desejos, estarás livre do jugo de um Deus que não admite
rivais"(cf. Gn 3,5s.)
“Diábolos" - em hebraico Satã (Adversário) -
significa caluniador, aquele que semeia a divisão através da mentira. No Novo
Testamento sua figura aparece e parece poderosa na narrativa das tentações de
Cristo depois dos quarenta dias de jejum e oração no deserto. Peço ao leitor
ler em Mateus e em Lucas essa narrativa (Lc 4,1-13; Mt 4,1-11). A narrativa de
Lucas termina assim: "Terminadas todas as tentações, o diabo afastou-se
dele até o tempo oportuno". Seu retorno se dará na paixão de Jesus (Lc
22,3). Sem entrar em detalhes exegéticos, fica evidente que a missão de Jesus é
confrontar-se com as tentações que continuamente ameaçam a humanidade.
Ele as vencerá pela Cruz. Diante das três tentações
Jesus responde: a) "Não se vive somente de pão, mas de toda palavra que
sai da boca de Deus"; b) "Não porás à prova o Senhor teu Deus";
c) "Afasta-te, Satanás, pois está escrito; "Adorarás o Senhor teu
Deus e só a Ele prestarás culto"(cf Mt 4,1-11). Não resisto ao
impulso de colocar o texto da terceira tentação. Assim: "O diabo o levou
ainda para uma montanha muito alta. Mostrou-lhe todos os reinos do mundo e sua
riqueza, e lhe disse: 'Eu te darei tudo isso, se caíres de joelhos para me
adorar’. Jesus lhe disse: Afasta-te, Satanás, pois está escrito: 'Adorarás o
Senhor, teu Deus, e só a ele prestarás culto'. Por fim, o diabo o deixou, e os
anjos se aproximaram para servi-lo."( Mt 4,8-11). Eis o pecado radical,
uma verdadeira monstruosidade: o desejo de ser adorado, a tentativa de destronar
Deus. Foi o mesmo veneno destilado no paraíso: "sereis como Deuses".
Satanás não é um anti-deus, apenas uma miserável e abjeta criatura, que, tomada
por ódio eterno, tenta arrastar para a destruição o ser humano. Todos os que o
seguem, os anjos decaídos - demônios - e os seres humanos na terra, são
também autores da desgraça que perpassa a história. No livro do Apocalipse,
através de imagens muito fortes, é descrita a guerra que a
serpente antiga, agora descrita como um dragão de sete cabeças, move contra a
Mulher, que "deu à luz um Filho, um menino, aquele que deve reger todas as
nações pagãs com cetro de ferro". A proteção dada por Deus à Mulher
enfurece o Dragão : "Este, então, se irritou contra a Mulher e foi fazer
guerra ao resto de sua descendência, aos que guardam os mandamentos de Deus e
têm o testemunho de Jesus". (cf. Ap 12). A descrição do Apocalipse tem
diante dos olhos a perseguição movida pelo Império Romano aos cristãos. Ao
fazê-lo projeta luz sobre o mistério do mal que perpassa toda a história. O ser
humano tem em Cristo a salvação, a real possibilidade construir uma história na
justiça e no amor, para, enfim, participar da plenitude da vida para além da
história. Na sua liberdade, entretanto, o ser humano pode escolher o caminho insinuado
permanentemente pela serpente: "serás como um deus", acima do bem e
do mal, absolutamente livre para quaisquer escolhas. Interessante : o caminho
que o Verbo Eterno, o Filho de Deus, fez para chegar até nós foi o caminho
inverso: "Sendo ele de condição divina, não se prevaleceu de sua igualdade
com Deus, mas aniquilou-se a si mesmo, assumindo a condição de escravo e
assemelhando-se aos homens. E, sendo exteriormente reconhecido como homem,
humilhou-se ainda mais, tornando-se obediente até a morte, e morte de
cruz"(Flp 2,6-8).
Em outra passagem São Paulo afirma: "Aquele
que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos
tornássemos justiça de Deus"( II Cor 5,21). Ressuscitado, Cristo é nossa
salvação. Mas é preciso fazer com Ele o caminho da obediência: escutar de
verdade o Pai. O diabo odeia a Cruz e deseja arrancá-la do coração de nosso
povo. Eis como pensa uma feminista radical: “Uma mulher que se faça eco à
declaração dramática de Ntosake Shange:” ´Encontrei a Deus em mim mesma e o
amei ferozmente’ está dizendo: O poder feminino é forte e criativo´, está
afirmando que o princípio divino, o poder salvador e sustentador, está nela
mesma e já não mais verá o homem ou a figura masculina como um salvador” (Carol
Christ, Womanspirit Rising). Em seus ritos teatrais o pornoterrorismo
mistura às mais repugnantes cenas de sexo símbolos cristãos, inclusive a Cruz
de Cristo ,acusando assim o cristianismo, ele mesmo, de ter consolidado uma
cultura heteronormativa que reprime a sexualidade feminina e oprime as pessoas
sexualmente diferentes.
Dom Eduardo
Benes de Sales Rodrigues
Arcebispo de
Sorocaba (SP)
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