Apresentamos aos nossos amigos e leitores o artigo do Padre Lodi, da
diocese de Anápolis. Em meio a grande confusão que a Igreja atravessa de forma
geral, e em particular nas questões relacionadas a família, o presente artigo
esclarece de forma inequívoca, o grande prejuízo causado pela falta de uma
definição dogmática e definitiva do assunto, que somente o Papa pode
fazer.Padre Lodi é um dos grandes combatentes em defesa da doutrina tradicional
da Igreja, sobre os temas relacionados ao matrimonio, família, aborto, eutanásia,
mas é frequentemente esquecido não só nos meios civis, mas também nos meios
eclesiásticos.Alegra-nos a citação da Casti-Conubi feita pelo Padre Lodi em seu
artigo, Encíclica esta, também frequentemente esquecida nos meios
eclesiásticos.
A controvérsia sobre a circuncisão
Paulo e Barnabé estavam em
Antioquia da Síria quando chegaram alguns vindos da Judeia (conhecidos como
judaizantes) e disseram aos cristãos não judeus: “se não vos circuncidardes
segundo a norma de Moisés, não podereis salvar-vos” (At 15,1). Houve então uma
grande controvérsia, e todos resolveram dirigir-se a Jerusalém onde, na época,
estava Simão Pedro. Diante da discussão acesa da assembleia, Pedro levantou-se
e fez um discurso argumentando que não é pela circuncisão, mas “pela graça do
Senhor Jesus que nós [judeus] cremos ser salvos, da mesma forma como também
eles [os gentios]” (At 15,11). A Escritura prossegue dizendo: “Então, toda a assembleia
silenciou” (At 15,12). A palavra de Pedro, a quem Jesus deu o poder e missão de
confirmar seus irmãos na fé (cf. Lc 22,32) pôs fim a uma discussão que parecia
interminável.
A controvérsia sobre a anticoncepção
O Concílio Vaticano II
(1963-1965) estava trabalhando na elaboração da Constituição Gaudium et spes
(sobre a Igreja no mundo de hoje), quando surgiu entre os Bispos uma discussão
acesa sobre a licitude do uso de meios anticoncepcionais (em particular, a
pílula recém-inventada) para regular a procriação. O Papa Beato Paulo VI
resolveu então chamar a si a questão, tirando-a do debate conciliar. Segundo
nota de rodapé colocada na própria Gaudium et spes, “algumas questões, que
necessitam de investigações mais aprofundadas, foram por ordem do Sumo Pontífice
confiadas à Comissão para o estudo da população, família e natalidade, para
que, terminados os estudos, o próprio Papa decida”[1]. Corria o ano 1964 quando
o Beato Paulo VI chamou a si o estudo da matéria. Em dezembro de 1965, o
Concílio terminou, sem que o assunto fosse resolvido. Em fins de 1966, o
relatório da Comissão foi posto nas mãos do Papa, mas seus membros não haviam
chegado a um consenso. Foi somente em 25 de julho de 1968 (quatro anos,
portanto, após o Papa ter chamado a si a questão) que foi publicada a belíssima
encíclica Humanae vitae sobre a regulação da procriação. Como era de se
esperar, o documento não modificava a doutrina moral da Igreja, mas reafirmava
o que já havia dito Pio XI na encíclica Casti conubii, ou seja, que “qualquer
ato matrimonial [quilibet matrimonii usus] deve permanecer aberto à transmissão
da vida”[2]. A anticoncepção foi, portanto, explicitamente condenada como meio
de regular a procriação.
No entanto, os quatro anos de
silêncio do Beato Paulo VI causaram um enorme dano ao mundo cristão. Enquanto
Pedro silenciava, falsos profetas alardeavam que a doutrina da Igreja já havia
mudado ou estava para mudar, e já davam, “antecipadamente”, permissão para os
casais fazerem uso da pílula anticoncepcional. Quando finalmente Pedro falou
por meio da Humanae vitae, a mentalidade contraceptiva já se havia espalhado
entre os cristãos. Houve uma rebelião por parte de teólogos, bispos e até de
episcopados inteiros contra o ensinamento perene do Magistério. E até hoje
sentimos os efeitos do prolongado silêncio de Pedro sobre esse tema da moral
conjugal.
A controvérsia sobre os divorciados “recasados”
Em 2013, o Papa Francisco
resolveu convocar duas assembleias do Sínodo dos Bispos: uma extraordinária
entre 5 e 19 de outubro de 2014 e outra ordinária entre 4 e 25 de outubro de
2015. O objetivo era discutir Os desafios pastorais da família no contexto da
evangelização. Na verdade, trata-se de um Sínodo sobre a família dividido em
duas fases com a distância de um ano.
A Assembleia de 2014 foi marcada
por uma grande tensão. O relator geral do Sínodo, Cardeal Péter Erdö, no dia
13/10/2014, leu um relatório intermediário (Relatio post disceptationem) que
continha várias ideias estranhas à doutrina da Igreja, incluindo o acesso dos
divorciados em segunda união (“recasados”) ao Sacramento da Comunhão. Essa tese
havia sido apresentada pelo Cardeal Walter Kasper no consistório de cardeais
realizado em fevereiro de 2014. No entanto, em setembro de 2014, cinco
cardeais[3] se uniram para publicar o livro Permanecendo na verdade de Cristo:
Matrimônio e comunhão na Igreja Católica[4] refutando os argumentos de Kasper.
Em 13/10/2014, quando a tese de Kasper apareceu no relatório do Cardeal Péter
Erdö, houve uma grande reação entre os Padres Sinodais. Estes então se
dividiram, por idioma, em dez círculos de trabalho e alteraram profundamente o
texto inicial. Acrescentaram três tópicos dogmáticos sobre “A família no
desígnio salvífico de Deus”, “A família nos documentos da Igreja” e “A
indissolubilidade do matrimônio e a alegria de viver juntos”. Ao falar da
misericórdia, não deixaram de falar da verdade, uma vez que ambas “convergem em
Cristo”. No documento final (Relatio synodi), publicado em 18/10/2014, pôde-se
ver o quanto o pensamento dos Padres Sinodais estava distante do relatório
inicial. Dos 62 parágrafos, três não obtiveram os dois terços dos votos
necessários para a sua aprovação: os de número 52 e 53 (sobre o acesso dos
divorciados “recasados” ao sacramento da Comunhão) e o de número 55 (sobre a acolhida
às pessoas com tendência homossexual). No entanto, curiosamente eles não foram
excluídos do texto. Isso significa que tais temas poderão vir à tona novamente
na Assembleia de outubro de 2015.
E o que disse o Papa Francisco
sobre tudo isso? Em seu discurso de conclusão do sínodo, em 18/10/2014, o Santo
Padre advertiu sobre a tentação de quem, “em nome de uma misericórdia
enganadora, liga as feridas sem antes as curar e medicar” e a tentação de
“descuidar o ‘depositum fidei’ [depósito da fé], considerando-se não guardiões
mas proprietários e senhores”[5]. Entretanto, não fez nenhuma condenação
explícita às teses kasperianas que circularam durante o Sínodo. O silêncio de
Pedro permitiu que os meios de comunicação social passassem a divulgar que a
Igreja havia mudado, ou estaria mudando sua prática de não admissão dos
divorciados “recasados” à Comunhão Eucarística. Acerca disso, declarou o
Cardeal Raymond Burke, na época prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura
Apostólica, ao jornal eletrônico BuzzFeed News que “a falta de clareza [do
Papa] sobre o assunto certamente causou um grande dano”[6].
No entanto, não é preciso um
grande estudo para que o Santo Padre resolva a questão. Basta reafirmar o
ensinamento de São João Paulo II na sua Exortação Apostólica Familiaris
consortio, também esta fruto de um sínodo sobre a família celebrado em 1980.
Após falar da misericórdia com que devem ser tratados os divorciados que
contraem nova união, a Exortação diz:
A Igreja, contudo, reafirma a sua
práxis, fundada na Sagrada Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os
divorciados que contraíram nova união. Não podem ser admitidos, do momento em
que o seu estado e condições de vida contradizem objetivamente aquela união de
amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada na Eucaristia. Há, além
disso, um outro peculiar motivo pastoral: se se admitissem estas pessoas à
Eucaristia, os fieis seriam induzidos em erros e confusão acerca da doutrina da
Igreja sobre a indissolubilidade do matrimônio[7].
De fato, convidar tais
divorciados “recasados” à Comunhão eucarística seria, nas palavras de São
Paulo, torná-los “réus do Corpo e do Sangue do Senhor” (1Cor 11,27), seria
fazê-los “comer e beber a própria condenação” (1Cor 11,29). Eles que, segundo
as fortes palavras de Cristo, “cometem adultério” (Mc 10,11-12), de nenhum modo
serão beneficiados por receberem indignamente o sacramento do altar.
O Sínodo ordinário de outubro de
2015 aproxima-se e, com ele, novas discussões. No entanto, o que a Igreja
espera, com grande expectativa, é a Exortação pós-sinodal que será feita pelo
Papa, recolhendo diversas propostas feitas pelos Cardeais em ambas as
assembleias. É possível que, em tal Exortação, Pedro venha a presentear-nos com
um belíssimo tratado sobre o matrimônio cristão, contendo uma refutação
explícita dos ensinamentos de Kasper. Mas é possível que, até lá, por causa da
demora, um enorme dano já tenha sido causado na mente dos fieis.
Anápolis, 10 de julho de 2015
Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz
Presidente do Pró-Vida de Anápolis
__________________________________
[1] CONCÍLIO VATICANO II, Gaudium
et spes, n. 51, nota 14.
[2] PAULO VI, Humanae vitae, n.
11.
[3] Os cardeais autores foram
Gerhard Müller, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé; Raymond Leo
Burke, na época Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica; Walter
Brandmüller, presidente emérito do Comitê Pontifício de Ciências Históricas;
Carlo Caffarra, Arcebispo de Bolonha e um dos teólogos mais próximos a São João
Paulo II em questões de moralidade e família; e Velasio Di Paolis, Presidente emérito
da Prefeitura para os Assuntos Econômicos da Santa Sé.
[4] Lançado nos EUA livro escrito
por cinco cardeais sobre a doutrina da Igreja sobre o matrimônio, ACI, 16 set.
2014, in: http://www.acidigital.com/noticias/cardeais-publicam-livro-em-defesa-da-doutrina-da-igreja-sobre-o-matrimonio-58216/
[7] S. JOÃO PAULO II. Familiaris
consortio, 1981, n. 84.
Nenhum comentário:
Postar um comentário